Moraes quer salário maior para juiz; Gilmar Mendes reduz direitos

Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, ministros do Supremo Tribunal Federal, se ocuparam de interesses do Judiciário nesta semana. Por suas falas e decisões, podemos deduzir – uma vez mais – que cabe ao brasileiro aumentar sua contribuição para o sustento da Justiça, e sem questionar as autoridades. Pague, agradeça e não reclame.
Num dia, Moraes defendeu aumento de salário para os juízes. No outro, Gilmar decidiu que o cidadão comum não tem mais o direito de denunciar eventuais crimes de responsabilidade cometidos por ministros do STF.
Alexandre de Moraes quer “remuneração digna” para magistrados
Moraes falou na terça-feira (2) no Encontro Nacional do Poder Judiciário. “Nós não podemos ter vergonha de defender uma remuneração digna”, disse. “Se não, nós vamos continuar perdendo magistrados que prestam concurso para consultor da Câmara, para consultor do Senado, porque lá podem, além do salário, advogar.” Foi aplaudido.
“Nós temos que defender a valorização da carreira com a volta de adicional por tempo de serviço”, prosseguiu o ministro. “Isso não é corporativo. Isso é segurança institucional. É garantia dos melhores entrarem e dos melhores permanecerem.” Mais aplausos.
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Não é novo o argumento de que o salário desestimula o ingresso e a permanência na magistratura. A comprovação, se houver, é anedótica: pode haver casos, aqui e ali, de bons juízes que migraram para outras carreiras, ou de bacharéis promissores que desistiram de tentar uma vaga.
Mas não há levantamentos sobre o suposto fenômeno. Nem relatos de concursos esvaziados para o Judiciário.
O Exame Nacional da Magistratura (Enam), etapa obrigatória para quem pretende ser juiz, atraiu quase 40 mil inscritos na primeira edição, em abril de 2024; 33 mil na segunda, seis meses depois; e 43 mil na terceira, em maio de 2025.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que promoveu o encontro em que Moraes discursou, o número de magistrados está em alta no Brasil. Eram quase 18 mil em dezembro de 2023 e pouco mais de 19 mil na contagem mais recente, de junho deste ano.
Quanto ganham os juízes brasileiros
Sobre a remuneração, estatísticas do mesmo CNJ põem em dúvida a alegada desvalorização da carreira. Segundo dados compilados pelo pesquisador Bruno Carazza e publicados pelo Movimento Pessoas à Frente:
- em 2023, o subsídio médio (salário-base) dos magistrados brasileiros foi de R$ 34,4 mil. Considerando as ditas verbas indenizatórias, o rendimento líquido (o valor efetivamente recebido por mês) chegou a R$ 45 mil;
- em 2024, o subsídio médio alcançou R$ 36,7 mil e o rendimento líquido, R$ 54,9 mil;
- em fevereiro de 2025, o rendimento líquido atingiu R$ 66,4 mil, R$ 20 mil acima do teto constitucional do funcionalismo, de R$ 46,4 mil. Esse teto corresponde ao salário dos ministros do STF;
- cerca de 93% dos magistrados brasileiros têm remuneração acima do teto, graças a auxílios criados por tribunais e chancelados pelo CNJ, sem deliberação do Legislativo. Tais pagamentos são entendidos como indenizatórios e, portanto, livres de Imposto de Renda.
Membros do Judiciário afirmam reservadamente que a proliferação de auxílios serviu para compensar defasagens salariais e o fim do adicional por tempo de serviço. Extinto em 2006, o quinquênio acrescentava 5% ao salário a cada cinco anos, premiando todos os que não perdessem o cargo no período.
(Protegido pela garantia constitucional de vitaliciedade, um juiz só perde o cargo em caso de sentença transitada em julgado.)
Justiça brasileira é a segunda mais cara do mundo
Apesar das queixas da categoria, a comparação internacional sugere que o Judiciário brasileiro não passa fome.
O pesquisador Sergio Guedes-Reis, em levantamento para o instituto República.org e o Movimento Pessoas à Frente, computou dados de dez países: Alemanha, Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unidos, França, Itália, México, Portugal e Reino Unido. Constatou que a remuneração inicial de um magistrado brasileiro é a quarta maior. E que, no topo da carreira, um juiz brasileiro chega a ganhar:
- seis vezes mais que as autoridades máximas do Judiciário português;
- quatro vezes mais que ministros das cortes constitucionais de Alemanha, França, Argentina e EUA;
- três vezes mais que os maiores salários de juízes no Chile e na Colômbia; e
- mais que o dobro de presidentes de tribunais superiores de Reino Unido, Itália e México.
“Quase 11 mil juízes brasileiros ganharam mais de 400 mil dólares (paridade de poder de compra – PPP) entre agosto de 2024 e julho de 2025, o que ultrapassa a remuneração paga a qualquer juiz de sete dos dez países estudados”, diz o estudo.
Outro levantamento, do Tesouro, aponta que a Justiça brasileira é a segunda mais cara do mundo. Custou 1,43% do PIB em 2024, mais de quatro vezes a média global (0,3%). Só a de El Salvador custa mais (1,6% do PIB).
De acordo com o CNJ, o custo do Judiciário por habitante aumentou quase 50% em 15 anos. Em 2009, cada brasileiro destinava em média R$ 469 para manter a Justiça, em valores atualizados. Em 2024, o desembolso chegou ao recorde de R$ 689.
Quase 90% do dinheiro é usado para pagar salários de servidores e magistrados.
Gilmar Mendes proíbe cidadão de denunciar ministros do STF
Enquanto Moraes discursou por remuneração maior aos juízes, Gilmar Mendes usou sua caneta para atender a uma das principais representantes da classe, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Ela e o partido Solidariedade pediram a derrubada de pontos da chamada Lei do Impeachment (1.079/1950).
Na liminar que concedeu na quarta-feira (3), Gilmar suspendeu partes da lei e determinou como ela deve ser interpretada. O ponto que mais irritou congressistas foi a limitação das prerrogativas do Senado no processo de impeachment de ministros do STF.
Mas o trecho mais emblemático foi outro. O decano do STF eliminou um antigo direito do cidadão.
Três capítulos da Lei do Impeachment estabelecem, logo em sua primeira frase, que “é permitido a todo cidadão” denunciar, por crime de responsabilidade:
- o presidente da República ou ministro de Estado, perante a Câmara dos Deputados;
- os ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República, perante o Senado; e
- o governador do estado, perante a Assembleia Legislativa.
Gilmar Mendes, porém, reescreveu a lei para impedir que um brasileiro qualquer possa denunciar ministros do STF. Conforme o despacho, apenas um cidadão poderá formular esse tipo de denúncia de agora em diante: o procurador-geral da República.
Para ministro, Lei do Impeachment “caducou”
Para o ministro, a Lei do Impeachment “caducou”, pois “não foi recepcionada pela Constituição”. “Que se faça uma nova lei, ajustada ao texto de 1988”, disse o ministro nesta quinta (4).
A Constituição tem 37 anos. A Lei do Impeachment, 75. Foi usada para derrubar dois presidentes da República. Mas Gilmar Mendes repentinamente decretou que ela não serve mais.
Os demais ministros do STF terão a oportunidade de concordar ou discordar dele em julgamento marcado para o plenário virtual, entre os dias 12 e 19. Nessa modalidade, os votos são depositados por escrito no sistema eletrônico da Corte, sem debate.
Matéria: Gazeta do Povo







