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o Estado que só sabe crescer

Pouca gente percebe quando a Constituição é ferida. As emendas chegam embaladas em boas intenções, com nomes solenes e promessas de eficiência. A última delas, a chamada PEC da Segurança Pública, é um exemplo perfeito dessa armadilha. Sob o pretexto de “organizar o sistema”, o que ela realmente faz é concentrar poder, sufocar as autonomias locais e violar princípios que a Constituição protege até contra o próprio Congresso.

A emenda cria um novo artigo que dá à União a “competência privativa” para editar normas gerais sobre segurança pública, defesa social e sistema penitenciário. Parece técnico, mas é devastador. Normas gerais, por definição, são aquelas que a União compartilha com os estados – elas traçam as linhas, os estados preenchem os detalhes. É o pacto federativo em ação. Ao transformar isso em competência exclusiva de Brasília, a federação se torna uma peça decorativa. É como se o maestro escrevesse a partitura, retirasse os instrumentos, amarrasse as mãos dos músicos – e ainda reclamasse que a orquestra não está tocando direito.

A PEC da Segurança Pública é, no fundo, uma PEC da desconfiança – desconfiança dos Estados, dos prefeitos, das polícias locais, dos mecanismos já existentes. Mas a liberdade – e o pacto federativo que a sustenta – exige o contrário: confiança na descentralização

A Constituição não permite isso. E não permite por uma razão simples: a forma federativa é cláusula pétrea – não pode ser abolida nem por emenda. Retirar o poder normativo dos estados, onde a segurança é uma tarefa diária e concreta, é dissolver a própria ideia de equilíbrio entre centro e periferia.

Mas a PEC da Segurança Pública não para aí. Ela também entrega à União o papel de “coordenar” o sistema único de segurança e o sistema penitenciário nacional. O verbo parece inofensivo, mas carrega veneno. “Coordenar” vira, na prática, “mandar”. Assim que Brasília passa a dar as ordens, os governadores viram meros prefeitos federais, obrigados a seguir planos nacionais que desconhecem as realidades locais.

Outra mudança é a transformação da Polícia Rodoviária Federal em uma “polícia viária” com atuação em rodovias, ferrovias e hidrovias. O que começa como reforço técnico pode virar uma duplicação de forças – a União com sua polícia ostensiva, lado a lado com as polícias estaduais. O resultado? Confusão de competências e um risco crescente de sobreposição coercitiva. Num cenário em que há mais braços armados do que cabeças responsáveis, o cidadão comum perde clareza sobre quem deve obediência a quem.

Há também a tentativa de incluir as guardas municipais no rol de órgãos de segurança pública, com poder de policiamento ostensivo e sujeição ao controle externo do Ministério Público. Isso parece fortalecer os municípios, mas o efeito é o oposto: retira sua autonomia e submete o poder local a uma tutela dupla – da União, que passa a ditar as normas gerais, e do MP, que ganha ingerência direta sobre atividades que pertencem ao Executivo.

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Por fim, a PEC da Segurança Pública proíbe o contingenciamento dos fundos nacionais de segurança e penitenciário. É o tipo de bondade que mata de excesso. Blindar orçamentos é ferir a separação de poderes – o governo eleito perde a liberdade de decidir prioridades e administrar recursos conforme as circunstâncias. Em nome de “garantir segurança”, a PEC da Segurança Pública engessa o Estado e o torna menos capaz de reagir à própria insegurança fiscal que ela alimenta.

Tudo isso contraria a essência republicana que defendo em A República e o Intérprete. A Constituição foi construída como um muro de contenção contra a expansão do poder, não como um atalho para centralizá-lo. À medida que o Estado se multiplica em camadas e comandos, o cidadão não fica mais protegido – fica mais vigiado.

E há, sim, uma alternativa a esse impulso centralizador: o federalismo autêntico, aquele que confia nas diferenças e na responsabilidade de cada ente. Randy Barnett chama isso de “laboratório da liberdade”. Cada estado, cada município, deve ter espaço para testar soluções, errar e aprender – não sob a tutela de Brasília, mas sob o olhar direto de seus cidadãos. Foi assim que os Estados Unidos floresceram: com autonomia, competição e inovação. Onde o poder se reparte, a liberdade se expande; onde se concentra, tudo se paralisa.

A PEC da Segurança Pública é, no fundo, uma PEC da desconfiança – desconfiança dos Estados, dos prefeitos, das polícias locais, dos mecanismos já existentes. Mas a liberdade – e o pacto federativo que a sustenta – exige o contrário: confiança na descentralização. Toda centralização promete ordem, mas entrega burocracia – e leva embora a liberdade.

Talvez o Brasil precise de mais segurança. Mas precisa, antes, de um Estado que saiba parar de crescer – e de um povo que compreenda, de uma vez por todas, que a verdadeira paz não nasce do controle, mas da confiança. Que a liberdade não é filha da força, mas da divisão do poder. E que o federalismo – essa forma política que desconfia do centro e aposta na pluralidade – continua sendo o maior instrumento de defesa que uma nação livre pode ter.

Leonardo Corrêa, advogado, LL.M pela Universityof Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos fundadores e presidente da Lexum.

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Nota: A Lexum não adota posições específicas sobre questões jurídicas ou de políticas públicas. Qualquer opinião expressa é de responsabilidade exclusiva do autor. Estamos abertos a receber respostas e debates sobre as opiniões aqui apresentadas.

Matéria: Gazeta do Povo

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Gabriel de Melo

Criador, fundador e locutor da Rádio Esperança e também do Blog Palavra de Esperança, tem como objetivo divulgar o evangelho de Cristo par outras pessoas através da Internet por meio dos louvores e da palavra de Deus nas mídias sociais.

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