B3 mantém tradição com entrega de sacas de café em armazéns

Bebida mais consumida do mundo, o café é parte da história de São Paulo, tendo integrado um dos períodos marcantes da política paulista e impulsionando o desenvolvimento da economia do estado. Mesmo com o avanço tecnológico do mercado financeiro, o café mostra a força da tradição do produto que já foi base da economia nacional e integra os contratos de commodities do agronegócio que são negociados pela Bolsa de Valores, a B3, na capital paulista, sendo o único a ter entrega física.
A venda das sacas de café ocorre por meio de um contrato futuro por intermédio da B3. Ou seja, o valor do contrato reflete a expectativa do mercado sobre o preço de negociação da commodity em uma determinada data, ferramenta que serve como proteção da safra e para a gestão de riscos dos produtores do agronegócio.
Marielle Brugnari, líder no setor de Produtos Commodities da B3, lembra que o instrumento foi criado no início do século XX para proteger produtores e comerciantes das flutuações de preços causadas por perdas nas safras, ações climáticas e até sazonalidade. “Um agricultor pode, meses antes da colheita, utilizar o contrato futuro para ‘garantir’ o preço de venda de sua safra, caso o valor que o mercado futuro esteja oferecendo para a data em que ele planeja vender sua produção esteja dentro do que ele planejou financeiramente para o seu negócio”, explica.
Além do café arábica e do conilon, a B3 possui contratos de milho, soja, boi gordo e etanol hidratado, mas o café é o único com a liquidação física, que representa o encerramento do contrato futuro com a entrega de 6 toneladas — divididas em 100 sacas — em armazéns credenciados pela Bolsa de Valores. Antes disso, amostras dos grãos passam pelo laboratório da B3, onde especialistas avaliam a qualidade do produto com análises técnicas e degustações para a classificação do café.
Nas demais commodities, a liquidação do contrato é exclusivamente financeira. “O agronegócio é um pilar da economia brasileira e esse tipo de operação tem se tornado cada vez mais uma ferramenta indispensável de estabilidade financeira para toda a cadeia do setor”, ressalta Brugnari.
Na avaliação dela, a existência da entrega física conecta o mercado financeiro ao mercado real do produto. “O café é o único com entrega física, pois tem regiões produtoras muito bem delimitadas com uma ampla rede de armazéns disponíveis. Além disso, é uma commodity facilmente estocável por longos períodos de tempo e conta com menor impacto das diferenças tributárias estaduais na comercialização da mercadoria física”, esclarece.
Os principais produtos do agronegócio com contratos futuros disponíveis na B3 são:
- café arábica
- café conilon/robusta
- boi gordo
- milho
- soja
- etanol hidratado
Quais tipos de café são negociados na B3
Tradicionalmente, o café arábica é o produto do segmento que domina os contratos cafeeiros, que ganharam uma nova modalidade no ano passado para atender à demanda do café conilon. O café arábica é cotado em dólares e o padrão de qualidade foi ajustado para se alinhar com o principal produto de exportação do Brasil.
Assim, o destino do café físico atrelado ao contrato é principalmente o mercado externo. Já o conilon é cotado em reais, decisão estratégica da B3 para atender à indústria nacional de torrefação e de café solúvel, pois a maior parte da produção de conilon é consumida no país.
Antes, o preço era cotado em dólares, tendo a Bolsa de Londres como referência por causa da safra do café no Vietnã, país que lidera a produção mundial do conilon. “A estratégia da B3 para ampliar ou lançar novos instrumentos financeiros, seja de café ou de outras commodities, é baseada principalmente na demanda do mercado e na necessidade de ferramentas de gestão de risco mais eficientes para os setores produtivos brasileiros”, explica Brugnari.
Raio-x da produção do café brasileiro e dos contratos na B3
Arábica
- Maior produtor do mundo com 39,6 milhões de sacas no ano passado
- Maior exportador do mundo com 36,9 milhões de sacas em 2024
- Terceiro produto de commodities mais negociado na B3
- Cerca de 1 mil contratos por dia
- Mais de 47% dos investidores são pessoas físicas
Conilon
- Segundo maior produtor com 21 milhões de sacas no último ano
- Segundo maior exportador com 3,6 milhões de sacas
A rota do café na B3: da classificação até a liquidação dos contratos nos armazéns
Segundo a responsável pelo setor de Produtos Commodities, o vendedor que utiliza o contrato futuro para a comercialização do café precisa, primeiro, depositar os grãos em um armazém credenciado pela B3. Em seguida, o local encaminha uma amostra de aproximadamente 300 gramas à sede da Bolsa, no centro paulistano, para a avaliação do produto.
“O processo de classificação é detalhado e envolve a análise de uma amostra de café para avaliar diversos atributos, como tipo, tamanho dos grãos, cor, umidade e ‘prova de xícara’, com avaliação de aroma, sabor, entre outros fatores”, explica. Brugnari ressalta que a padronização, que atende aos requisitos da classificação oficial do Ministério da Agricultura, permite a negociação por meio do contrato futuro.
“Sem um padrão de qualidade claro, objetivo e fiscalizável, seria impossível negociar um produto para entrega futura […] A classificação assegura que 100 sacas sejam as mesmas, independentemente do produtor, criando a confiança e a liquidez necessárias para o mercado.”
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De acordo com Marielle Brugnari, a negociação de commodities em São Paulo ocorre desde a fundação da Bolsa de Mercadorias de São Paulo, em 1917, época em que o café era um dos principais produtos brasileiros. “O contrato futuro de café arábica, especificamente, foi um dos pioneiros na Bolsa Mercantil & de Futuros (BM&F, hoje parte da B3), lançado em 1978”, recorda.

No litoral paulista, a Bolsa Oficial de Café foi inaugurada em 1922 em um palácio, no centro da cidade de Santos, próximo ao maior porto do país. Hoje, no local funciona o Museu do Café, que tem como destaque o salão do pregão – com 70 lugares – onde eram feitas as negociações que determinavam as cotações diárias das sacas de café.
Matéria: Gazeta do Povo





