o Brasil na teia das “finanças verdes”

As reações à recente decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de suspender a Moratória da Soja, por considerá-la lesiva à livre concorrência, prontamente revertida pela Justiça Federal, denotam a extensão do alcance da estrutura financeira internacional montada para “monetizar” a política ambiental brasileira e consolidar o seu caráter restritivo das atividades produtivas.
A Moratória, aprovada em 2006, é um pacto estabelecido por um consórcio de ONGs ambientalistas, tradings, entidades representativas do setor agropecuário e o governo federal, visando impedir a comercialização de grãos produzidos em áreas desmatadas a partir de 2008, mesmo que de forma legalizada.
O objetivo evidente é restringir a produção nacional e mantê-la atrelada às normas de “sustentabilidade” ditadas pela alta finança globalizada, que integra o “Estado-Maior” do ambientalismo internacional desde os seus primórdios.
Para os produtores, o dispositivo tornou-se um estorvo ainda maior com a aprovação do Código Florestal de 2012, que permite o abate da vegetação original nas proporções de até 20% no bioma Amazônia, 65% no Cerrado e 80% no Pantanal — aspecto desconsiderado no âmbito da Moratória.
Sem surpresa, um mandado de segurança impetrado pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), uma das signatárias da Moratória, suspendeu a decisão do Cade em caráter liminar.
“É claro o interesse de diversos setores no enfraquecimento da Moratória enquanto um mecanismo de regulação do mercado (sic) para defender as florestas brasileiras”, afirmou João Gonçalves, diretor da ONG estadunidense Mighty Earth no Brasil (Repórter Brasil, 20/08/2025).
O Brasil tem uma importância crucial para a agenda da financeirização das atividades de “proteção” do meio ambiente e do clima global, com ênfase na preservação do bioma Amazônia como “colateral” para a gama de investimentos “verdes” ou “sustentáveis” que seus idealizadores estão oferecendo ao mundo sob o pretexto de combater a mudança climática.
“Não haverá nenhuma política ambiental que gere benefícios globais sem o total comprometimento e engajamento do Brasil. E o GEF está aqui para apoiar o país nesse esforço, nessas iniciativas… Este é um país onde podemos mostrar o impacto da contribuição ambiental multilateral e do apoio financeiro.” A observação foi feita pelo diretor-geral do Global Environmental Facility (GEF), Carlos Manuel Rodríguez, na primeira reunião anual da entidade fora de sua sede em Washington, EUA.
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Em entrevista à CNN Brasil (23/06/2023), Rodríguez explicou os motivos da questionável deferência: “Em primeiro lugar, a importância dos biomas brasileiros para a preservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. O segundo fator é a qualidade dos resultados apresentados pelo país. Eu diria que 85% dos projetos do Brasil são de primeira qualidade. E isso se deve às capacidades humanas e institucionais que o país possui.”
Segundo ele, a intenção do GEF é unificar as agendas do clima e da biodiversidade, razão pela qual também ressaltou a importância da realização da conferência climática COP 30 em Belém (PA): “Acho que a COP 30 vai fechar o ciclo conectando a ação contra as mudanças climáticas e a ação para manutenção da biodiversidade… Então, organizar uma COP no coração da Amazônia significa que ela terá que ser extremamente verde, extremamente orientada para a biodiversidade. E acho que esse é um elemento-chave que precisamos agora (grifos nossos).”
O Brasil é um dos países que mais receberam recursos do GEF, em montante superior a US$ 1,2 bilhão. O GEF foi apenas a primeira de outras iniciativas financeiras com as quais o Brasil foi enredado na teia ambientalista-indigenista das oligarquias euroatlânticas, casos como o Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) e o Fundo Amazônia.
Criado em 1991, a partir de uma proposta da ONG World Resources Institute (WRI) para uma plataforma de lançamento das “finanças verdes”, o GEF atua como mecanismo financeiro para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), entidade encarregada de implementar, no âmbito internacional, as medidas referentes às questões climáticas, além de organizar as Conferências das Partes (COPs).
A atual etapa de “financeirização ambiental” não é novidade. De fato, a agenda climática é apenas a culminância de uma estratégia que remonta à segunda metade da década de 1980, quando a oligarquia euroatlântica deflagrou a campanha internacional que colocou o Brasil como alvo primário da agenda ambientalista-indigenista.
Em setembro de 1987, no Quarto Congresso Mundial de Áreas Selvagens, realizado em Denver, EUA, com a presença de altos representantes do Establishment anglo-americano, o aquecimento da atmosfera pelas emissões de carbono dos combustíveis fósseis foi apresentado como o maior problema da humanidade, em grande antecipação à campanha de “descarbonização” dos dias atuais.
Os organizadores do evento incluíam alguns dos principais articuladores da agenda ambiental/climática como instrumento de intervenção política em países em desenvolvimento selecionados. Entre eles: os multibilionários Edmund de Rothschild e David Rockefeller; o secretário do Tesouro dos EUA, James Baker III; o magnata canadense Maurice Strong (secretário-geral da Conferência de Estocolmo de 1972 e primeiro diretor-geral do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA); a ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland, então coordenadora da Comissão das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland); o secretário-geral da Comissão Brundtland, Jim MacNeill; e o ex-diretor-geral da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), William Ruckelshaus.
Uma das propostas ventiladas para enfrentar o problema foi a criação de um “banco de conservação” internacional.
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No evento, o WRI foi encarregado de elaborar um relatório com recomendações para a imposição de uma “ética ambiental global”, em especial aos países em desenvolvimento. O documento, concluído em 1989, tinha como principais orientações:
- O estabelecimento de uma Instituição Ambiental Internacional (International Environmental Facility), que ajudaria a mobilizar substancial financiamento adicional, em termos apropriados, para projetos de conservação, oriundos de agências de desenvolvimento bilaterais, multilaterais e, quando possível, do setor privado. A sua função básica seria “identificar, desenhar e financiar projetos de conservação sólidos no Terceiro Mundo”.
- O estabelecimento de um Fundo Ambiental Mundial, administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a ser financiado com multas a “poluidores” e, especialmente, às atividades produtoras de “gases de efeito estufa”.
- A promoção de várias formas de trocas de dívida por ativos, inclusive, por exemplo, a concessão de algum alívio das dívidas aos países em desenvolvimento que proibissem o uso de áreas de florestas tropicais para a criação de gado, ou a destinação de empréstimos externos para a preservação de áreas selvagens, em lugar de projetos de desenvolvimento. (Ver: Lorenzo Carrasco, Silvia Palacios e Geraldo Luís Lino, Máfia Verde: o ambientalismo a serviço do Governo Mundial, Capax Dei, 13ª ed., 2021, cap. 5.)
A proposta para a criação do “banco de conservação” foi apresentada formalmente pelo governo da França, então presidido por François Mitterrand (1981-1995), um entusiasmado defensor da aplicação do conceito de “soberania limitada” às questões ambientais. O banco foi criado em 1991, com o nome Instituição Ambiental Global (Global Environmental Facility), depois alterado para Fundo Ambiental Global, com a mesma sigla em inglês, GEF.
Com a financeirização das questões ambientais e sua vinculação ao tema das dívidas soberanas, o Establishment oligárquico passou a dispor de um eficiente instrumento de chantagem contra os países em desenvolvimento que estavam em sua mira, em especial aqueles dotados de vastos recursos naturais, como o Brasil.
Com o GEF e outras iniciativas afins, as potências controladoras do movimento ambientalista passaram a dispor dos meios de pressionar os países-alvo a aceitar a agenda ambiental e indígena, sob pena de verem complicadas as negociações sobre suas dívidas externas.
Como, em geral, nesses países, os recursos para a “proteção” ambiental e das comunidades indígenas estão sempre disputando espaço nos orçamentos governamentais limitados, os recursos internacionais são recebidos sem maiores questionamentos quanto às exigências impostas pela máquina ambientalista e às restrições ao desenvolvimento interno.
O citado PPG-7 foi um exemplo desses programas que enquadraram o Brasil na agenda “verde-indígena”. Entre 1992 e 2009, o PPG-7 destinou ao País um total de 463 milhões de dólares, aplicados em projetos de conservação em áreas dos biomas Amazônia e Mata Atlântica, em um esforço para reduzir as pressões internacionais motivadas por temas ambientais e indígenas.
Outro exemplo é o Fundo Amazônia, estabelecido em 2008 e financiado primordialmente pelos governos da Noruega e da Alemanha, reativado após o “congelamento” ocorrido no governo do presidente Jair Bolsonaro.
Em suma, essa agenda antidesenvolvimentista tem raízes profundas. E o governo brasileiro faz uma aposta temerária ao converter o país em chamariz para as “finanças verdes”.
Matéria: Gazeta do Povo
 
				




