Por que o saneamento na Amazônia não está na agenda ambiental

Quando se fala nos problemas ambientais do Brasil, com ênfase nos da Amazônia Legal, a primeira imagem que vem à mente da grande maioria dos brasileiros é a da trombeteada “devastação” dos biomas Amazônia e Cerrado, que, segundo os arautos do apocalipse ecológico, tem impacto determinante no clima global.
Graças à eficiente máquina de propaganda do aparato ambientalista-indigenista, instalou-se no país uma virtual histeria sobre o desmatamento daqueles biomas, que sequer costuma considerar que boa parte dele se dá em propriedades privadas, onde o Código Florestal de 2012 permite o abate de até 20% da vegetação nativa no bioma Amazônia e até 65% no Cerrado.
Essa sensação é amplificada pelo próprio governo federal, com seus planos delirantes de “zerar” o desmatamento até 2030, em princípio referindo-se ao ilegal, embora a distinção com o permitido torne-se cada vez menos nítida nos pronunciamentos das autoridades, em especial da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e de seus lugares-tenentes.
Assim, não admira que os brasileiros tenham majoritariamente a mesma percepção. Em 2022, 60% dos entrevistados em uma pesquisa encomendada pelo jornal O Globo apontaram o desmatamento como o maior problema ambiental do país, à frente da poluição hídrica (51%) e das queimadas (42%).
Uma consulta ao site UOL Brasil Escola aponta: “Os principais problemas ambientais brasileiros são: desmatamento; queimadas; poluição atmosférica, hídrica e dos solos; assoreamento.”
É curioso que as deficiências de saneamento básico, principal causa da poluição dos cursos d’água e, de longe, o maior problema ambiental do Brasil e do mundo, não sejam costumeiramente citadas como tal.
Em mais de três décadas investigando a atuação do aparato “verde-indígena” no Brasil, conto nos dedos de uma mão as intervenções de ONGs integrantes do mesmo em favor do saneamento como um grave problema ambiental
Uma entidade singular dedicada ao tema é o Instituto Trata Brasil (ITB), que acaba de divulgar o seminal estudo Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento na Amazônia Legal, realizado em parceria com a EX ANTE Consultoria, cujos dados revelam a extensão em que são subestimados tanto o problema como os benefícios e ganhos de sua correção para a região em geral.
Os dados levantados são contundentes. Em 2022, 44,5% da população da Amazônia Legal não tinha acesso à água tratada, contra a média nacional de 15,8%. Para o déficit de esgoto tratado, os números são, respectivamente, 83,2% e 57,4%.
O estudo avalia os impactos positivos da universalização da infraestrutura de saneamento na região até 2040 e chega a um retorno de R$ 330 bilhões, com uma gama de vantagens em termos de saúde pública, geração de emprego e renda, valorização ambiental, valorização imobiliária, escolaridade das crianças e adolescentes e turismo.
De acordo com os autores, para cada R$ 1,00 investido em saneamento, o retorno bruto de ganhos econômicos e sociais na Amazônia Legal será de R$ 5,10, valor maior que a média esperada para o Brasil. Rio Branco (AC), Porto Velho (RO) e Macapá (AP) são as capitais com maiores potenciais de ganhos per capita com a universalização dos serviços (a média mundial desse retorno é estimada em 4:1).
Os benefícios estimados chegam a R$ 516,6 bilhões, sendo R$ 273,7 bilhões de benefícios diretos (renda gerada pelo investimento e pelas atividades de saneamento e impostos sobre consumo e produção recolhidos) e cerca de R$ 242,9 bilhões devido à redução de perdas associadas às externalidades. Os custos sociais no período devem somar cerca de R$ 186,5 bilhões, de modo que os benefícios devem exceder os custos em quase R$ 330,1 bilhões, indicando um balanço social positivo para a região.
Apenas o aumento da produtividade da população é estimado em R$ 192,9 bilhões. De acordo com a presidente-executiva do ITB, Luana Pretto, esse benefício decorre da maior perspectiva profissional e educacional dos habitantes locais, que deixam de ter problemas e doenças relacionados à falta de saneamento.
“Por exemplo, a gente já fez um estudo que apontou que uma criança que não teve acesso ao saneamento durante toda a sua vida tem uma renda 46% menor do que uma criança que teve acesso ao saneamento durante um período de 35 anos de trabalho. Então, tudo isso é calculado, tanto no caso do adulto quanto no caso do futuro das crianças, relacionado a esse ganho de salário de produtividade de uma maneira geral”, disse ela ao jornal O Globo (16/09/2025).
Para ela, há um “senso de urgência” na universalização do saneamento da Amazônia, pelo que os investimentos na área deveriam ser tema na agenda pública local.
“Infelizmente, a gente ainda tem governantes que enxergam naquele viés do velho ditado de que obra enterrada não dá voto. Por conta de tudo isso, não se investiu durante anos em saneamento básico. O investimento médio na região Norte do país em saneamento básico é de R$ 66,52 por ano por habitante, enquanto a gente deveria estar investindo em média R$ 223 por ano por habitante. Há uma necessidade de entendimento da importância do saneamento para o desenvolvimento das crianças, para a conservação dos recursos hídricos e para o aumento da produtividade de uma maneira geral”, lamenta.
De fato, um fator multiplicador superior a 5 e com potencial para retornos de curto prazo é algo que deveria justificar prioridade máxima para qualquer agenda ambiental e de desenvolvimento séria, mobilizando investimentos públicos e privados e justificando os necessários ajustes nas políticas públicas, em especial a financeira.
Todavia, com as finanças do Estado dominadas pelo rentismo de juros estratosféricos e o domínio ideológico da política ambiental pela pauta climática e do desmatamento, os progressos estimados para o que deveria ser um direito fundamental da população ficam retidos num limbo de saída quase impossível.
Matéria: Gazeta do Povo





