Ouça nossa programação ao vivo 24h!

Clique aqui
Cidadania

Esmolas devem ser desestimuladas? Campanhas dividem opiniões

Nos últimos meses, diversas prefeituras brasileiras lançaram campanhas para desincentivar a prática de dar esmolas diretamente a pessoas nas ruas. O movimento surge em meio a um aumento acelerado do número de moradores de rua em todo o país nos últimos anos e à disseminação do Pix como via de doação.

O caso mais recente é o de Curitiba, onde o tema tem gerado controvérsia. Em outubro, a Prefeitura da capital paranaense publicou um vídeo institucional orientando os cidadãos a não fazer doações em dinheiro, mas a direcionar a ajuda para programas oficiais.

A medida se somou a um projeto de lei do vereador Eder Borges (PL), intitulado “Dê futuro, não dê esmolas”, que prevê a institucionalização de campanhas permanentes com esse teor educativo. A proposta foi discutida em setembro em um podcast oficial do Legislativo.

No interior de São Paulo, o município de Araras também aderiu à ideia de dar esse tipo de orientação. Em maio de 2025, a Câmara aprovou um projeto que instituiu o mês de agosto como o período oficial de conscientização da campanha “Não dê esmolas, dê um recomeço”.

No município de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, a Prefeitura fez em outubro a campanha “Esmola não, cidadania sim”. Também em outubro, Três Corações (MG) lançou o lema “Não Dê Esmola – Há Outras Maneiras de Ajudar”. Em outras cidades, como Florianópolis, a gestão municipal tem dado orientações no mesmo sentido. Em junho, a Prefeitura de Balneário Camboriú (SC) reforçou sua campanha “Esmola Não Muda Vidas”.

À Gazeta do Povo, o vereador Eder Borges afirma que sua ideia para o caso de Curitiba é “uma campanha de conscientização para instruir a população de que, quando você dá esmola, por mais que o faça com boa intenção, com generosidade, não está fazendo bem a essas pessoas”. “Pelo contrário, você está estimulando sua permanência nessa vida triste, terrível, de indignidade e, pior, está colaborando com o narcotráfico”, afirma.

Para Pablo Henrick Vital, professor e advogado na área de Direitos Humanos e membro da Missão Belém – organização católica dedicada ao serviço dos pobres –, tratar a esmola como um instrumento de “manutenção da miséria” é “um pensamento muito superficial, de quem não conhece a população em situação de rua e as mazelas de quem mora na rua”. “A Missão Belém não vê com bons olhos quando pessoas fazem esse tipo de campanha. Os missionários vivem juntamente com as pessoas em situação de rua. Eles passam dias na rua e sentem na pele o que essas pessoas passam.”

Borges diz que a campanha não é contrária à ajuda direta da sociedade civil, mas “instrui que quando você quer fazer uma doação, que o faça para uma instituição séria e não que dê diretamente a moedinha na mão das pessoas”.

Vital argumenta que a atuação do Estado e das associações não costuma suprir todas as necessidades. “Os grupos são insuficientes para ajudar. Se você vai hoje à Missão Belém e pergunta quantas vagas de doentes para acolher há hoje, são pouquíssimas ou nenhuma. É claro que, se alguém chegar lá, as freiras vão dar um jeito de acolher, porque a misericórdia delas é maior. E quantas pessoas o Estado tem condições de acolher hoje? Quantas pessoas estão já acamadas nos hospitais públicos da cidade de São Paulo, por exemplo, e não têm para onde ir, e estão lá dentro porque o hospital não tem para onde dar alta a essas pessoas? Se você impede a esmola, está tirando a única coisa que algumas pessoas na rua têm, que é a caridade de outras pessoas, a benevolência, a compaixão, sob o argumento de que é preciso evitar a ‘manutenção de miséria’.”

Além disso, para Vital, as propostas de campanhas contra as esmolas em municípios “são inconstitucionais”, porque “ferem princípios da dignidade da pessoa humana e da própria liberdade religiosa”. “Muitas vezes eu doo movido por um espírito caritativo, por um espírito religioso”, diz.

Borges argumenta que a campanha contra esmolas não é contrária à noção de caridade. “Nós somos plenamente favoráveis à caridade. A caridade faz parte dos valores cristãos, dos valores das mais variadas religiões. Mas precisamos conscientizar as pessoas de que, quando se dá esmola, principalmente no centro de cidade, para pessoas em situação de rua, não se está praticando a caridade, mas se está fazendo, na verdade, o contrário: incentivando essas pessoas a permanecerem nessa vida indigna. E, mais grave ainda, se está financiando o narcotráfico. Não é por comida, porque, principalmente no caso de Curitiba, há comida mais do que suficiente para essas pessoas na região central”, diz.

Especialistas discordam sobre capacidade do Estado de suprir a necessidade de esmolas

Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, campanhas contra esmolas podem acabar reforçando uma cultura de indiferença com a pobreza, o que seria ruim para a sociedade.

“O Estado sozinho nunca é a melhor resposta para o problema da população de rua. A melhor resposta para a população de rua é sempre aquela que é dada pela comunidade com o apoio do Estado. Falta ao Estado a empatia humana que só a comunidade pode oferecer. O funcionário público faz aquilo por obrigação. O voluntário da comunidade faz aquilo por opção. É muito diferente. E isso potencializa muito o trabalho”, diz. “É um trabalho sempre conjunto entre comunidade e Estado a melhor solução.”

Jonas Rabinovitch, urbanista que atua como conselheiro sênior em inovação, gestão pública e desenvolvimento urbano da ONU, vê com bons olhos as campanhas dos municípios.

“A esmola não resolve o problema. Qualquer atividade de gestão urbana que tente resolver ou melhorar a questão social tem que ser feita de forma sistêmica. Encorajar a doação institucional permite um efeito em escala, para que você possa atingir mais pessoas. Não dar esmola seria talvez o primeiro passo. Vejo a necessidade de uma série de passos subsequentes, que vão, então, formar um programa. E, como dizia Ronald Reagan [1911-2004], o sucesso de qualquer programa social se mede pelo número de pessoas que saem dele, não pelo número de pessoas que entram. O objetivo deve ser que as pessoas tenham dignidade, formação, proteção legal, educação, para poder ter uma atividade que seja mais digna. A partir do momento em que se dá a dignidade para a pessoa, a própria esmola se torna irrelevante”, comenta.

Pablo Henrick Vital discorda da ideia de que as soluções devam partir somente do Estado. “Há pessoas na rua que estão com graves problemas de saúde física e psicológica. Algumas não estão mais em pleno uso da capacidade civil. São pessoas incapazes, de quem alguém precisa tomar conta. E o Estado não tem condições de arcar com tudo isso. E querem proibir que as pessoas façam o mínimo, que é dar esmola? É um discurso muito bonito: ‘Ah, vamos deixar os grupos fazerem, o Estado fazer’. Mas, na prática, isso não funciona. ‘Ah, a pessoa não está na rua porque quer continuar recebendo marmita.’ As marmitas que elas recebem do Estado são uma porção de arroz, uma porção de feijão e uma salsicha. Quem quer ficar comendo isso de domingo a domingo? Quem quer permanecer sempre em estado de insegurança alimentar? Muitos comem só a metade da marmita do almoço, porque não sabem se vão ter algo à noite para comer. Quem, em plena consciência, quer viver nessa situação? Isso é um discurso falacioso.”

Eder Borges garante que, em Curitiba, “o Estado tem estrutura para isso”. “Eu posso falar por Curitiba, que é a minha cidade, onde sou vereador. Posso afirmar que a Fundação de Ação Social de Curitiba realmente tem eficácia e tem estrutura para acolher essas pessoas. Tem tanto por parte do Estado, pela FAS, como por parte de igrejas e demais instituições de caridade e ONGs”, diz.

Segundo o vereador, “a Prefeitura de Curitiba dispõe de muitos espaços para abrigar pessoas em situação de rua, então não falta pouso, não falta comida, nada do básico”. “Essas pessoas querem esmola para quê? Para comprar droga e cachaça. A imensa maioria das pessoas que estão em situação de rua em Curitiba estão por causa da dependência química. São pessoas que, em boa parte, têm também outros transtornos psiquiátricos. São vítimas do movimento antimanicomial, que fechou hospitais psiquiátricos e simplesmente largou pessoas doentes nas ruas, sem qualquer condição, na mais completa indignidade. Essas pessoas que estão em situação de rua pedindo esmolas precisam de um encaminhamento sério, efetivo, para que possam ressignificar as suas vidas e não passar o dia pedindo ou mesmo exigindo esmolas, muitas vezes de maneira truculenta, intimidatória, com o fim de consumir drogas.”

Rabinovitch pondera que diferentes cidades podem exigir soluções distintas. “Cada cidade deve ter uma legislação própria sobre esmola. Não há uma prescrição genérica sobre isso. Geralmente, é uma reação a algum problema específico”, diz Rabinovitch. “Por exemplo, nos Estados Unidos, a primeira emenda constitucional protege o ato de pedir esmola, que é interpretado como uma liberdade de expressão. Mas, se o objetivo é proteger o público da agressividade de quem pede esmola, aí a questão seria, talvez, limitar os locais. Por exemplo, há restrições sobre pedir esmola em áreas próximas ao caixa automático, porque é uma situação de fragilização do cidadão. Houston, por exemplo, não permite que se peça esmola a quatro metros em volta de um caixa automático.”

Ordem pública e solidariedade não podem ser antagônicas, diz sociólogo

Francisco Borba diz que o anseio legítimo pela ordem pública não pode colocar em segundo plano, na sociedade, o espírito solidário.

“Não podemos pensar as duas coisas como antagônicas”, diz. “Existe um desejo justo de ordem em todos nós. O grande problema é que nós não estamos encontrando os caminhos para realizar o nosso desejo de ordem e de solidariedade ao mesmo tempo. Porque as pessoas querem ordem, e é justo que queiram ordem, mas muitos também querem um mundo solidário. Nós temos que construir as duas coisas juntas. Se a gente tem que optar ou pela solidariedade com o pobre ou pela ordem social, vamos criar uma situação injusta, inadequada, seja qual for o nosso caminho.”

Para Vital, as campanhas contra esmolas “colocam um grupo contra o outro” e não favorecem o sentimento solidário na sociedade. “As crianças vão nascer numa sociedade achando que quem está na rua é um vagabundo, que quem está na rua é tudo, menos uma pessoa que precisa, de fato, de ajuda. Não estou criminalizando nem condenando pessoas que fazem esse tipo de projeto, porque muitas vezes elas até querem ajudar. Não são más pessoas, mas às vezes não sabem como ajudar e acabam entrando em argumentos falaciosos.”

Borges diz que sentimentos de generosidade podem ser despertados de outras formas, e que a campanha que ele propõe tem como objetivo educar as pessoas a não cair em golpes. “É importante orientar desde cedo a criança para não cair nesses golpes, para não colaborar com o narcotráfico. As crianças são orientadas em casa. Não é uma campanha de conscientização que vai influenciar a educação de uma criança. Uma campanha de conscientização serve para conscientizar pessoas adultas, dar orientação, dar informação. E essas sim que eduquem seus filhos em casa, com generosidade, mas ensinando a não ser enganado; a praticar, sim, a caridade, mas de maneira correta, efetiva e que seja boa para as pessoas e não o contrário”, comenta.

Francisco Borba lembra que, antes de tudo, “a existência dos pobres na rua significa a falência do Estado e da sociedade como aquelas que garantem o bem comum”. “Para nós, brasileiros, é muito clara a questão de que o Estado deveria proporcionar o bem comum e faliu. Mas também é culpa da sociedade. Porque há uma coisa de que a gente ouve falar muito pouco: naqueles países que tiveram sucesso com uma política de Estado mínimo, particularmente nos Estados Unidos, no século passado, o Estado só pôde ser mínimo porque a sociedade era muito solidária. Você não resolve o problema da pobreza sem uma sociedade solidária”, observa.

VEJA TAMBÉM:

Matéria: Gazeta do Povo

Mostrar mais

Gabriel de Melo

Criador, fundador e locutor da Rádio Esperança e também do Blog Palavra de Esperança, tem como objetivo divulgar o evangelho de Cristo par outras pessoas através da Internet por meio dos louvores e da palavra de Deus nas mídias sociais.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo