Mata do Uru é modelo na conservação de floresta com araucárias

A cerca de 70 quilômetros de Curitiba, um dos últimos remanescentes bem preservados de floresta com araucárias no Paraná se transformou também um laboratório vivo de educação, pesquisa e gestão ambiental corporativa. A Mata do Uru, na Lapa, é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) que reúne biodiversidade rara, história familiar e uma parceria incomum entre setor privado e conservação. Há mais de 20 anos, a área é mantida pela família Campanholo em colaboração com a Posigraf, gráfica do Grupo Positivo, e com apoio técnico da SPVS.
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A origem da RPPN remonta aos anos 1950, quando o bisavô da atual proprietária percebeu, ainda na indústria madeireira, o impacto da extração. “Ele decidiu comprar a área justamente para poder preservá-la e conservá-la”, conta Carol Gianello, herdeira e gestora da Mata do Uru. “O Gabriel cresceu com essa mentalidade, e isso nos trouxe valores como visão de longo prazo, trabalho em equipe e coerência entre o que se diz e o que se faz.”
A transformação do espaço em RPPN ocorreu em 2004, meses após a morte de Gabriel Campanholo, que dedicou a vida a proteger o território — vivendo dentro da mata, acompanhado apenas de seu cachorro e de uma espingarda para afugentar caçadores. A proteção legal consolidou uma história iniciada de forma quase solitária e que, hoje, envolve metodologias científicas, fiscalização constante e uso educativo do espaço.
Mata do Uru mostra como a floresta é uma tecnologia milenar
“Estamos numa catedral”, descreve o biólogo Rafael Ezerban, da SPVS, ao apresentar a trilha principal aos visitantes. “A Mata Atlântica é um dos biomas mais biodiversos do planeta, e aqui temos um ecossistema associado: a floresta com araucárias, riquíssima em espécies e serviços ambientais”, ressalta.
Ao longo da visita, Ezerban explica processos que sustentam a vida na mata, como a serrapilheira — uma camada de folhas que protege o solo, mantém a umidade e armazena sementes — e o ciclo natural de queda de árvores, que abre espaço para a regeneração. Ele apresenta também árvores centenárias, como a araucária apelidada de “a professora”.
“Ela nos ensina sobre o tempo. Estimamos que tenha entre 250 e 300 anos. Um dia foi um pinhão, e hoje estoca toneladas de carbono”, afirma. “É uma tecnologia de milhares de anos. Imagine criar uma máquina que faça isso.”
O potencial de armazenamento de carbono da Mata do Uru é, inclusive, acima da média registrada para florestas desse tipo: cerca de 140 toneladas por hectare, um dado que reforça a importância da manutenção de ecossistemas maduros. “Uma floresta antiga tem equilíbrio ecológico e estoque de carbono elevado. Quando é degradada, perde carbono; quando é cuidada, sequestra mais”, explica Rafael.
Para evitar desequilíbrios, o manejo envolve ações contínuas. Nos primeiros anos da parceria, a SPVS e a Posigraf removeram espécies invasoras, como pínus e uva-do-japão, que competiam com a vegetação nativa. Hoje, a fiscalização se concentra em impedir caça e a coleta ilegal de pinhão, além de monitorar fauna e flora. “Proteger custa. Uma área abandonada é como uma casa antiga: se não cuidar, se destrói”, resume Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS.

Ação é considerada pioneira no setor gráfico
A relação da Posigraf com a Mata do Uru começou em 2003, quando o então diretor Giem Guimarães identificou a oportunidade de unir o negócio à conservação. “Era algo que sempre me incomodou: produzir milhões de livros e fazer parte de uma cadeia que substituiu grandes áreas de floresta nativa por monoculturas”, disse. “Foi um feliz encontro com o seu Gabriel e com a SPVS.”
A parceria se tornou um caso único no setor gráfico e foi incorporada à identidade corporativa. Ao visitar a área, o presidente do Grupo Positivo, Lucas Guimarães, destacou o caráter educacional que impulsiona a continuidade do investimento. “Nosso DNA é a educação. Se você não mudou o comportamento, você não aprendeu”, afirmou. “Isso aqui é um exemplo concreto para impactar colaboradores, alunos, famílias e outras empresas.”
Além do apoio direto à manutenção da RPPN, já estimado em mais de R$ 2 milhões ao longo de duas décadas, a Posigraf evoluiu para programas de mensuração e neutralização de impactos ambientais, certificações internacionais e projetos de formação interna. “A sustentabilidade está incorporada à estratégia e à cultura da empresa”, disse o diretor da Posigraf. “Conservar é investir no futuro do negócio.”
A Mata do Uru também serve de campo para iniciativas educativas do Instituto Positivo, como visitas guiadas e ações de sensibilização. A diretora de sustentabilidade do grupo, Eliziane Gorniak, explica que o tema está entrando no currículo das escolas. “Estamos levando os alunos a refletirem sobre conservação da biodiversidade e a vivenciarem experiências práticas”, afirma. “A Mata do Uru vai receber um reforço de visitas, especialmente no Ensino Fundamental 2.”
Um modelo que aponta caminhos
Para Clóvis Borges, a parceria é um exemplo raro no Brasil, tanto pela longevidade quanto pela consistência. “É provavelmente a mais longeva do país. Não conheço outra corporação que tenha protegido uma área por tanto tempo, permitindo que uma família mantenha essa floresta em pé”, afirma. “Precisamos de escala: de muitas empresas fazendo o mesmo. Áreas naturais são motores complexos que produzem serviços essenciais. E já estamos pagando o preço por ignorá-los.”
Nesse ponto, a Mata do Uru extrapola seu valor ecológico. Tornou-se espaço de formação, de experimentação e de referência sobre como o setor privado pode preencher lacunas deixadas pelo poder público na proteção de áreas naturais. “Eu gostaria que esse exemplo tivesse se replicado mais”, diz Clóvis. “Mas ele mostra que conservação é boa para o negócio, boa para a sociedade e essencial para o futuro.”
Enquanto isso, a floresta segue crescendo, com seus sons característicos e resiliente, como já fazia séculos antes de ser visitada por biólogos, estudantes ou jornalistas. E como continuará fazendo, desde que não lhe faltem olhos atentos, gestão cuidadosa e a convicção de que proteger uma área natural é, acima de tudo, um compromisso ético.
Matéria: Gazeta do Povo






