Alinhamento com Moraes faz Gonet perder apoio no Senado

Apesar de ter garantido sua recondução para o comando do Ministério Público Federal (MPF) por mais dois anos, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, enfrentou nesta quarta-feira (12), no Senado, uma saraivada de críticas, acusações e questionamentos que revelaram uma perda significativa de apoio na Casa.
Há dois anos, quando foi indicado pela primeira vez pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gonet obteve uma aprovação maior para sua nomeação do que a obtida nesta quarta em sua recondução. Em 2023, ele foi aprovado no plenário com 65 votos a favor e 11 contrários entre os 81 senadores. Hoje, recebeu 45 votos a favor e 26 contra – se tivesse 5 votos a menos, sua recondução seria rejeitada na Casa.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), colegiado menor ao qual os indicados ao cargo são sabatinados, Gonet obteve 23 votos favoráveis e quatro contrários em 2023. Nesta quarta, o placar foi de 17 a 10, após uma dura sabatina, em que foi fortemente confrontado pela direita e afagado pela esquerda e pelo Centrão governista.
Gonet chegou à PGR em 2023 com forte apoio de Gilmar Mendes – o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), de quem foi sócio na faculdade de direito IDP – e do ministro Alexandre de Moraes. Ele e outros integrantes da Corte consideravam sua nomeação na PGR relevante para dar andamento às investigações e processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro – o procurador-geral tem a prerrogativa exclusiva de pedir investigações e denunciar autoridades com foro privilegiado no STF.
O diagnóstico, entre os ministros, era de que seu antecessor, Augusto Aras, blindava Bolsonaro, que o indicou em 2019 e 2021 para a PGR.
Ainda assim, em 2023, Gonet foi aprovado com apoio da direita no Senado. Muitos parlamentares conservadores consideravam que, por ser católico, ele poderia ter uma atuação moderada, sobretudo na pauta de costumes. Alguns lembraram, na época, que ele chegou a ser sondado por Bolsonaro em 2019 para o comando da PGR.
Nesta quarta, na CCJ, o senador Jorge Seif (PL-SC), um dos mais aficionados defensores de Bolsonaro na Casa, admitiu a Gonet que votou a favor dele no ano retrasado a pedido do ex-presidente. “Quando o senhor foi conduzido eu votei no senhor a pedido do presidente Bolsonaro. O meu voto dessa vez o senhor não vai ter”, afirmou.
Na sabatina, Gonet foi duramente criticado pela direita e tentou se esquivar com respostas de teor técnico ou institucional, evitando comentar casos concretos.
Os principais questionamentos foram relacionados ao alinhamento com Moraes nos inquéritos e processos contra Bolsonaro, seus aliados e apoiadores, e uma alegada “omissão” na apuração da conduta do ministro, acusado pela oposição de atuar com parcialidade, espírito de vingança e motivação política em procedimentos “abusivos”.
Oposição acusa Paulo Gonet de atuar em “conluio” com Moraes
Na sabatina, que durou seis horas, as palavras mais duras contra Gonet vieram de Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O filho 01 do ex-presidente o acusou de atuar em “conluio” com ministros do STF em perseguição ao pai – a mesma palavra foi usada inúmeras vezes na Corte para desmoralizar a relação entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores do MPF e, assim, anular centenas de investigações e processos da Lava Jato.
“Esse conluio, esse jogo combinado, essa manipulação, essa farsa, e o senhor participando de tudo isso, o senhor colaborando com a perseguição a pessoas inocentes! O senhor não se sente mal de fazer isso, não? O senhor consegue chegar em casa, olhar nos olhos da sua esposa e ficar com a consciência tranquila?”, disse Flávio a Gonet. “Tudo combinado, todo mundo já sabe o resultado muito antes de o processo começar não pelo que está nos autos, mas por quem vai julgar”, completou depois.
O senador criticou a perda de prerrogativas do MPF frente ao STF, referindo-se ao modo como Moraes conduz seus inquéritos, baseando-se muitas vezes apenas em pedidos da Polícia Federal.
“O senhor aceitou passivamente o Ministério Público Federal ser esculhambado, não defendeu as prerrogativas constitucionais da instituição que o senhor deveria representar, perdeu a titularidade da ação penal pública, foi ignorado em vários momentos pelo ministro Alexandre de Moraes, que sequer consultava o Ministério Público Federal para tomar alguma iniciativa. Aí, depois, dava aquela ‘vaselinada’, mandava lá para o senhor opinar”, disse. “Os membros do Ministério Público Federal devem ter vergonha do senhor hoje, muita vergonha”, completou depois.
Flávio ainda criticou Gonet por denunciar o perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que passou a ser investigado pelo ministro por denunciar supostas irregularidades e perseguições políticas em seus inquéritos, e também seu irmão, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que acusa Moraes nos Estados Unidos.
“O senhor, em vez de investigar as graves denúncias, foi investigar quem denunciou, igualzinho o senhor está fazendo com o deputado Eduardo Bolsonaro agora. Ele vai para os Estados Unidos, denuncia os abusos de Alexandre de Moraes, e Vossa Excelência está aqui abrindo inquérito para persegui-lo, em vez de investigar as graves denúncias que estão sendo feitas. O senhor não tem vergonha de fazer isso?”
Em sua vez de perguntar, Jorge Seif disse que o MPF, sob Gonet, estaria patrocinando uma “covardia” contra Bolsonaro, que, em suas palavras, tem “as mãos limpas” e está “sofrendo uma perseguição gigantesca, um conluio político”. Nos questionamentos, Seif reproduziu várias das críticas da oposição à sua atuação.
“Entidades de advocacia, inclusive a OAB do Brasil, denunciaram Vossa Excelência por violações de prerrogativas de liberdade de expressão na PGR sob sua gestão. A PGR instaurou alguma auditoria ou relatório público sobre essas acusações? Sr. Gonet, há alto grau de convergência entre as manifestações da PGR e as decisões do ministro Alexandre de Moraes. Que mecanismos internos asseguram a independência da PGR e evitam influência indevida do Supremo Tribunal Federal?”, perguntou.
Seif também confrontou Gonet sobre as revelações de Tagliaferro, argumentando que a conduta de Moraes deveria ser questionada do mesmo modo que foi feito em relação a Moro e à Lava Jato.
“A Lava Jato foi enterrada no Brasil porque tinha conversas do então Juiz Sergio Moro com o então procurador Deltan Dallagnol […] O Tagliaferro esteve aqui e mostrou mensagens de Alexandre de Moraes pedindo pareceres ao Sr. Gonet. Então, diante disso, são fraudes processuais, com produção encomendada de relatórios contra alvos preestabelecidos, inclusive falsificando o caráter de monitoramento”, disse o senador.
Ele também questionou Gonet por não investigar as denúncias de Tagliaferro. “Ao invés de determinar uma investigação séria contra as autoridades que praticaram esse crime, o senhor denunciou o servidor público Eduardo Tagliaferro, que trouxe a público esses fatos […] Por que o Ministério Público não investiga o conteúdo das denúncias de Eduardo Tagliaferro, ao invés de, hoje, estar tentando trazê-lo para o Brasil para ele ser mais um prisioneiro calado do sistema judicial atualmente instalado no Brasil?”
Por fim, confrontou o procurador-geral sobre o inquérito das fake news, aberto há mais de 6 anos e sem previsão de acabar. “O senhor considera compatível com o devido processo legal a existência de um inquérito sem objeto delimitado e sem prazo para encerramento? O senhor, sendo reconduzido, vai se manifestar sobre isso?”
Magno Malta (PL-ES) questionou Gonet pelo fato de ter defendido a inelegibilidade de Bolsonaro no TSE. “Onde está juridicamente o respaldo para que o senhor pudesse também votar pedindo inelegibilidade do único crime que Jair Bolsonaro cometeu: falar mal das urnas?”. Depois, criticou a denúncia contra o ex-presidente por golpe, atribuindo a condenação ao propósito de retirá-lo da política.
“A sua denúncia, que foi feita já como PGR e que é uma colcha de retalhos, eu diria que é o encontro do nada com coisa nenhuma, tão somente para cumprir um roteiro. O Ministério Público é a defesa daquele que se sente ofendido, da vítima. O Ministério Público é o advogado da vítima. Mas não! Neste caso, o Ministério Público se tornou parte da engrenagem daqueles que determinaram: ‘Temos uma missão pela frente: tirar Jair Bolsonaro do processo eleitoral’”, disse o senador.
Carlos Portinho (PL-RJ) questionou a fundamentação jurídica da prisão domiciliar de Bolsonaro – medida determinada em inquérito contra Eduardo Bolsonaro, no qual o ex-presidente não foi denunciado – e sugeriu desequilíbrio na atuação da PGR entre aliados e adversários políticos. Ao defender a anistia, disse que ele também seria beneficiado, insinuando com isso que o procurador-geral teria cometido crime.
“Ela beneficia, inclusive, Vossa Excelência, beneficia os ministros do STF, todos aqueles que cometeram abusos, no caso, como o ministro Alexandre de Moraes, seriam alcançados por essa anistia”, disse o senador. Argumentou que se a anistia não for aprovada, em 2027 a pressão por impeachment de ministros aumentará. “Precisamos, Dr. Gonet, pacificar o país. Na minha opinião sincera, Vossa Excelência fracassou nisso e eu não tenho como votar em Vossa Excelência.”
Como Paulo Gonet respondeu aos senadores da direita na sabatina do Senado
Ao responder sobre as críticas à denúncia contra Bolsonaro, Gonet afirmou que seus atos seguiram fundamentos jurídicos e negou perseguição. Se defendeu dizendo que, no caso da falsificação do cartão de vacina de Bolsonaro contra a Covid, optou por não acusar o ex-presidente. “Não vendo uma ligação do ex-presidente Jair Bolsonaro com aqueles fatos, não hesitei em fazer uma promoção pelo arquivamento dessa denúncia.”
Ele negou atuação política para perseguir Bolsonaro e seus apoiadores. Afirmou que as “tintas” que a PGR lança nos papéis enviados ao STF não têm “cores de bandeiras partidárias”. “São o resultado da avaliação, sempre a mais detida possível e sempre a mais ampla possível, com relação a todos os aspectos que são objeto da atenção devida e tudo feito da forma mais sóbria e mais conscienciosa e, ao mesmo tempo, respeitosa com os que são envolvidos nessas questões”, afirmou.
Sobre a relação com Moraes, disse que as acusações de conluio decorrem de “malícia ou ignorância”. Explicou que, no sistema eleitoral brasileiro, há contatos administrativos entre a Procuradoria-Geral Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas que “não houve nada de impróprio” nas relações institucionais.
Reforçou ainda sua “admiração pela idoneidade e apuro técnico” dos ministros do STF e disse atuar “com total independência e respeito aos limites constitucionais”.
“Eu posso dar o testemunho da lisura, da idoneidade, da dedicação, do apuro técnico, da fundamentação, da abertura, da transparência da fundamentação de todos os integrantes do tribunal. Eu gostaria de dizer que todos os integrantes do tribunal têm a minha mais profunda admiração”, afirmou Gonet.
Sobre a posição de considerar inconstitucional a anistia para os condenados do 8 de janeiro de 2023, o procurador disse que não questiona o poder do Congresso para deliberar sobre o tema, mas insistiu que há controvérsias jurídicas quanto à anistia de crimes contra o Estado de Democrático de Direito. “Não tenho dúvida da competência do Congresso Nacional para se manifestar a respeito de anistia, mas entendo que há polêmica em torno disso do ponto de vista jurídico”, afirmou.
Na resposta sobre o inquérito das fake news, disse que ele segue sob sigilo judicial, mas que já resultou em denúncias e arquivamentos, com acompanhamento da PGR. Reiterou que a instituição “atua com base em critérios técnicos e não políticos” e que respeita o segredo de justiça “como garantia da presunção de inocência”.
Governistas dizem que Gonet garante estabilidade entre os Poderes
Enquanto a oposição atacou o procurador-geral, senadores da base governista fizeram uma defesa enfática da recondução de Paulo Gonet à chefia da PGR, destacando sua discrição, equilíbrio e perfil técnico.
O relator da indicação, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que o procurador “atua nos autos, e não na mídia”, e que sua conduta “sem busca por holofotes” o recomenda para mais um mandato. “O Judiciário brasileiro tem que se pautar pelos autos, não pela opinião pública”, disse.
Eduardo Braga (MDB-AM) ressaltou a importância da atuação institucional de Gonet “em momentos de forte polarização nacional”, afirmando que ele “sempre manteve a postura de respeito aos Poderes e ao devido processo legal”. Para o senador, a recondução simboliza “a continuidade de uma PGR equilibrada, técnica e distante da política partidária”.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) defendeu a permanência de Gonet como “fundamental para a defesa das instituições”, afirmando que a PGR, sob sua gestão, foi “essencial na preservação da democracia e dos direitos fundamentais”.
Randolfe Rodrigues (PT-AP) e Fabiano Contarato (PT-ES) também elogiaram o procurador-geral. Randolfe afirmou votar em Gonet “pelo papel histórico de punir quem atentou contra a democracia” e declarou que o 8 de janeiro “foi o epílogo da tempestade que se avisava”.
Já Contarato destacou que “é preciso confiar na PGR e apoiá-la para que siga atuando com autonomia e responsabilidade, combatendo abusos e assegurando os direitos do povo brasileiro”.
Inicialmente, esta reportagem informou, erroneamente, que na votação da recondução de Paulo Gonet, 23 senadores teriam votado contra. Na realidade, foram 26 senadores contrários.
Corrigido em 13/11/2025 às 00:49
Matéria: Gazeta do Povo




