Se hoje olhamos para as novidades argentinas nos cinemas com grande expectativa, muito disso se deve ao impacto da chegada de Nove Rainhas às telonas. Lançado no país vizinho em agosto de 2000 e no Brasil e em diversos países ao longo de 2001, o divertido suspense policial fez mais de 1 milhão e meio de hermanos comprarem ingressos, amealhou cerca de 20 prêmios internacionais e foi a virada de chave para o ator Ricardo Darín, que fazia filmes desde a década de 1960, mas nunca havia sido tão elogiado por um papel.
Nove Rainhas só virou realidade porque o diretor e roteirista Fabián Bielinsky (1959-2006) ganhou um concurso com a história no final dos anos 1990. O autor já trabalhava com audiovisual há duas décadas, mas nunca havia dirigido um longa-metragem. A oportunidade veio após oito semanas burilando o roteiro sobre um encontro de dois golpistas no centro de Buenos Aires. Marcos (Darín) avista Juan (Gastón Pauls) enganando uma atendente de loja de conveniência. Quando sente que o meliante está prestes a ser desmascarado, finge ser um policial e escolta Juan para fora da loja. Na rua, Marcos revela ser um delinquente assim como Juan, apenas mais experiente.
O espectador acompanha os malandros aplicando golpes pela cidade dos mais variados tipos, até que surge para Marcos a oportunidade de vender uma coleção de selos para um importante homem de negócios espanhol hospedado no hotel em que sua irmã (Valeria) trabalha. Os selos, claro, são falsificados. Portanto, a venda tem de ser concretizada rapidamente para que não dê tempo de o empresário descobrir que comprou gato por lebre. A ação no hotel é dificultada porque Valeria não suporta o irmão. Ele teria se apropriado da herança paterna, deixando Valeria e o jovem Federico, que também trabalha no hotel, chupando dedo.
Versões americana, indiana, inglesa
Além de ter um desenvolvimento fascinante, que revela aos poucos a total falta de caráter de Marcos, envolvido em inúmeras confusões ao lado de Juan, Nove Rainhas tem um desfecho de cair o queixo, que faz o espectador também se sentir vítima de um golpe. Mas um golpe formidável. Não por acaso, anos depois o filme ganhou uma versão americana, 171 (Criminal, no original), que infelizmente não chegou aos pés da argentina. Também foi adaptado pelo cinema indiano e inspirou um episódio da série inglesa Hustle.
Bielinsky teve pouco tempo para colher os louros de Nove Rainhas. Em 2005, lançou outro suspense fora de série, A Aura, mas morreu no ano seguinte num quarto de hotel em São Paulo. Ele estava no Brasil para rodar uma publicidade e sofreu um infarto fulminante, aos 47 anos. De sua pequena obra, Nove Rainhas é o título mais popular, vira e mexe apontado como um dos dez melhores filmes do cinema argentino.
Desde 2024, o longa está disponível nos serviços de streaming numa cópia restaurada em 4K, que melhorou em muito o som e as imagens filmadas na raça pelas ruas da capital argentina. Como a grana do prêmio era curta, Bielinsky captou Darín e Pauls sem parar o trânsito ou usar figurantes. Em várias cenas é possível notar transeuntes espantados com os dois atores correndo para lá e para cá no meio da multidão.
A carreira internacional de Darín deslanchou feito um foguete desde então. Alguns de seus filmes concorreram ao Oscar, ele se envolveu em projetos fora do país, e recentemente protagonizaou uma série da Netflix que fez sucesso no mundo inteiro (O Eternauta). Gastón Pauls, que está ótimo em Nove Rainhas, curiosamente não teve o mesmo êxito. Estrelou filmes de fama local, assim como a atriz e cantora Leticia Brédice, que faz Valeria. Os caminhos foram distintos, mas nada apagará a interação entre os três na estreia de Bielinsky.
Se você nunca assistiu a Nove Rainhas, pode fazer inveja a todos que conhecem essa história de final inesperado. Afinal, só dá para ser surpreendido pelo desenlace uma única vez. Quem não deu play no filme ainda pode ter esse privilégio.
- Nove Rainhas
- 2000
- 115 minutos
- Indicado para maiores de 12 anos
- Disponível no Disney+ e HBO Max
Matéria: Gazeta do Povo
