os interesses que movem Donald Trump

As medidas que Donald Trump tem tomado desde que assumiu seu mandato, em janeiro deste ano, têm ocupado a mídia internacional nos últimos meses. Na verdade, o presidente norte-americano não tem feito mais do que acelerar um processo de reconfiguração de parcerias, apoios e rivalidades, tanto com parceiros quanto com inimigos internacionais dos Estados Unidos.
Em outras palavras, Trump está definindo quem é quem, e por isso é importante entender que o Brasil faz parte desse contexto e está na mira do radar dos Estados Unidos. Essa perspectiva pode trazer um pouco de luz à nossa compreensão sobre o porquê de as ações dos Estados Unidos no Brasil precisarem de certo tempo para sua efetividade.
Quando sairemos dessa situação?
Acredito que muitos daqueles que vão sofrer sanções ou receber medidas contrárias a seus interesses não desejam que os efeitos sejam tão rápidos, como tem ocorrido no resto do mundo. Ao mesmo tempo, uma parcela da opinião pública brasileira acha que está demorando demais. Por que Trump protela tanto, considerando que já tem tanta informação sobre os descalabros que ocorrem no Brasil?
Aqui vai a minha análise das razões desse descompasso — só lembrando que não tenho nenhuma informação privilegiada, não recebi informação de nenhum agente do governo norte-americano ou de qualquer pessoa próxima de toda essa agenda. Falo pela experiência de ter morado nos Estados Unidos e na Europa por mais de dez anos e de ter convivido com agentes econômicos e políticos.
Do ponto de vista norte-americano, quais são as grandes prioridades? Vamos estabelecer primeiramente os critérios por região e, a partir de cada uma delas, qual sua posição na hierarquia.
Europa, a joia da coroa
A primeira região importante para os Estados Unidos é a Europa, o maior mercado consumidor. É também um espelho e um termômetro político norte-americano, um lugar em que os Estados Unidos têm não só o maior volume de investimentos e empresas, mas também as mais intensas relações econômicas, políticas e sociais.
Outro fator preponderante para a escolha europeia é a questão bélica. Os EUA são o grande protetor da Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial e, se houver qualquer conflito armado na região, a OTAN — e, por consequência, os Estados Unidos — será afetada diretamente.
Tudo o que acontece ali em relação a esses temas é importante; por isso, os norte-americanos tendem a enxergar a situação da Europa com muito rigor, pois ela pode sinalizar mudanças políticas, sociais, culturais e econômicas, gerar embates comerciais e determinar o ritmo de desenvolvimento ou de atraso.
É evidente como a Europa tem se tornado socialista sob o comando da União Europeia. Isso tem afetado negativamente sua política, sociedade e economia, respingando nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, os globalistas assumiram o controle e estão rearmando a Europa para travar um conflito com outro grande grupo de esquerda, o dos stalinistas liderados pela Rússia e pela China.
Para os EUA, a Europa é o centro de seu escopo de interferência na ação geopolítica
Oriente Médio na mira
Outro lugar de interesse — e cuja menção pode gerar alguma polêmica — é o Oriente Médio, que assume o segundo patamar de prioridade para os Estados Unidos. Mas por quê? O Oriente Médio fornece combustível barato, e esta foi a grande força propulsora do desenvolvimento norte-americano nas últimas décadas. São praticamente 100 anos de energia acessível e em grande quantidade, com vasta distribuição.
Esse foi o fator que garantiu boa parte da expansão econômica norte-americana de maneira estável e constante. Essa facilidade ocorreu em razão de toda aquela região ser altamente instável politicamente, o que deu oportunidade para que os Estados Unidos, logo nos primeiros anos, conseguissem estabelecer domínio econômico e uma parceria muito proveitosa para os dois lados: tanto para os reis regionais — empossados em seus territórios pelos britânicos — quanto para os próprios norte-americanos, a partir da Segunda Guerra Mundial, à medida que a Grã-Bretanha foi perdendo influência.
Ao assumir o controle da maior parte do mundo, os Estados Unidos tinham todo o interesse em expandir ao máximo a produção de petróleo e o envio de investimentos para aquela região, assim como os ingleses. No entanto, naquele mesmo momento da história, logo depois que Winston Churchill deixou o governo, entrou em cena um governo socialista na Inglaterra que realmente puxou o freio do desenvolvimento e até de sua recuperação econômica, ao criar o Estado social.
Os prejuízos foram contabilizados anos mais tarde, com a Alemanha ultrapassando a Grã-Bretanha como maior economia da Europa, mesmo considerando que a Alemanha estava destruída no pós-guerra — um período realmente de atraso para a Inglaterra. E foi exatamente nesse contexto que os Estados Unidos aceleraram as relações comerciais com o mundo árabe, garantindo petróleo barato. Nesse cenário, os EUA têm todo o interesse em manter sua hegemonia.
A segunda prioridade dos EUA no Oriente Médio é neutralizar o terrorismo internacional, uma vez que esta é uma região fértil na produção de grandes atentados. E isso não se restringe somente à região: agentes da Líbia, Arábia Saudita, Egito e Síria já cometeram grandes atentados internacionais, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, envolvendo desde bombardeios em cidades até terrorismo aéreo e ataques em outros países do Ocidente, como aconteceu no dia 11 de setembro.
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China é ameaça à economia
A terceira região prioritária para os Estados Unidos é a Ásia. Embora agora todos falem da grande rivalidade entre EUA e China, podemos dizer que, por questões comerciais e até bélicas — de ocupação do Pacífico e de remanejamento de bases no governo Trump —, talvez a China tenha assumido a prioridade número um.
No entanto, é preciso deixar bem claro: a China e a Ásia, no contexto histórico de importância para os Estados Unidos, ocupam a posição número três, pois não se tratam de rivais bélicos ligados ao terrorismo ou ao narcotráfico, mas sim de rivais comerciais e industriais que estão construindo suas bases e forças armadas.
Portanto, a natureza das ações contra a China e a Ásia está focada em conter o expansionismo industrial que rivaliza com os Estados Unidos há muito tempo e que tem causado sua desindustrialização em função da reindustrialização chinesa. Recentemente, a China tem conspirado para desdolarizar a economia mundial, o que agrava sua posição em relação aos EUA.
Esses dois aspectos — a questão comercial/industrial e a tentativa de impor a desvalorização do dólar — fazem da China um alvo número três, mas só agora as sanções econômicas começam a surtir efeito direto. Por isso, é temerário tecer uma análise com base em um momento fugaz.
Durante a Segunda Guerra, o Japão foi um grande beneficiário de investimentos norte-americanos e, até os anos 80, entrou em uma onda de comprar grandes ativos nos Estados Unidos, o que chegou a preocupar o governo com a expansão japonesa.
Posteriormente, os norte-americanos avaliaram que as ações do Japão tinham efeito extremamente limitado, tanto que, nos anos 90, houve um retrocesso na influência japonesa. De qualquer maneira, os EUA ainda são grandes protetores do Japão, e aquela região ainda não se tornou a prioridade número um, como mencionei antes, pois é muito importante para os Estados Unidos manterem seu “American Way of Life” nos países asiáticos.
Terceiro mundo na lanterna, como sempre
A quarta região prioritária é conjunta, porque provavelmente os EUA tendem a considerar um problema geral de dois continentes que não são unidos, não têm tanta simbiose cultural ou imigratória e muito menos real integração. Estamos falando aqui da América do Sul e da América Latina como um todo, além da África — partes do mundo que não têm tantos reflexos econômicos e políticos na realidade norte-americana, tampouco estabelecem dependência de combustível ou representam ameaça bélica para os Estados Unidos.
Um número quatro bem distante para nós, que também não somos um grande polo econômico-industrial que possa comercialmente desestruturar os Estados Unidos. Então, qual a questão com a África e a América Latina? A migração, o meio ambiente e o narcotráfico.
Decorre desses problemas a necessidade de o governo norte-americano olhar para a América Latina e a África como um todo. Dentro desse quarto polo regional, o Brasil é a primeira prioridade na América Latina — só para entendermos nosso lugar na agenda política norte-americana.
Tomei a iniciativa de organizar esses pensamentos para que se compreenda o compasso das ações que estão sendo tomadas aqui no Brasil. Isso quer dizer que pode haver uma aceleração das ações do presidente Trump? Não necessariamente.
Talvez algumas ações tenham sido desencadeadas por reflexo de seus ministros, secretários, do sistema judiciário ou até do próprio legislativo norte-americano, que, em uma agenda independente, queira forçar algumas mudanças ou revisões. Mas entender nossa posição nesse contexto é importante para que possamos dosar nossas expectativas.
O Brasil entra no âmbito dos interesses norte-americanos? Dos interesses ativos, não; mas dos interesses negativos, sim.
Os EUA não querem ver o Brasil como uma nova colônia chinesa, com potencial interferência russa na condução geopolítica da região. Em outras palavras, não querem que o Brasil se torne uma grande Cuba — um inimigo regional dos Estados Unidos
Essa possibilidade coloca o Brasil no topo dos interesses dessa quarta prioridade. Essa é a razão pela qual os Estados Unidos se movem para agir contra o Brasil, mas nem sempre com os efeitos e o ritmo esperados por muitos ativistas.
Abaixo, coloco um mapa explicativo sobre toda essa dinâmica do pensamento geopolítico norte-americano.
Na próxima coluna, vamos analisar um ponto crucial para determinar a prioridade das ações e sanções dos Estados Unidos: o perfil político e de alinhamento dos diversos países que estão ou não no escopo de sua influência. Até o próximo artigo, quando vamos entender de vez quando e como as coisas vão mudar daqui para frente.
Matéria: Gazeta do Povo





