relatos reais e o debate necessário

Nas últimas semanas, após uma proposta da Câmara Municipal de Madrid para informar as mulheres sobre a síndrome pós-aborto, intensificou-se o debate sobre as consequências da interrupção da gravidez. Esse debate político ofuscou as vozes daqueles que mais podem contribuir para essa questão: médicos, psicólogos e as mulheres (e homens) que lidam com os efeitos psicológicos de um aborto.
Entrar no debate sobre a síndrome pós-aborto é como entrar em um campo minado, porque o aborto polariza não apenas a sociedade, mas também a ciência.
Uma revisão da literatura acadêmica sobre as consequências do aborto revela estudos completamente divergentes: enquanto alguns mostram maior prevalência de transtornos como depressão ou ansiedade em mulheres que fizeram um aborto, outros sustentam exatamente o oposto — uma melhora na saúde mental de mulheres que interromperam a gravidez. Em ambos os casos, é fácil encontrar vieses ideológicos e estudos de baixa qualidade.
Há mais de dez anos, em 2014, Justo Aznar, então diretor do Instituto de Ciências da Vida da Universidade Católica de Valência, e Germán Cerdá, professor da mesma universidade, publicaram uma revisão de toda a literatura científica até então.
O artigo concluiu que, de uma perspectiva médica, uma síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que constituem uma doença e, como não foi possível identificar um conjunto específico de sintomas pós-aborto que caracterizasse uma doença, a síndrome foi descartada. Ao mesmo tempo, o artigo confirmou os transtornos psicológicos secundários sofridos por muitas mulheres.
Nesse sentido, ambos os lados opostos têm razão: aqueles que dizem que é anticientífico falar sobre a síndrome pós-aborto e aqueles que argumentam que as mulheres não devem ser privadas de informações sobre os efeitos colaterais psicológicos de um aborto.
Os profissionais falam
Com base em sua experiência apoiando mulheres que fizeram abortos, a psicóloga Fuencisla Casanova acredita ser apropriado falar em uma síndrome e vê o debate de forma muito positiva: “É uma discussão necessária porque é uma realidade científica que está sendo ocultada, e porque o que é claro é que o aborto não é inofensivo para as mulheres. Há um conjunto de sintomas muito negativos: medos, fobias, pesadelos, psicose, que podem aparecer no início ou mais tarde, porque há mulheres que, durante muitos anos, vivenciam um processo de dissociação e continuam agindo como se nada tivesse acontecido, até que algo desencadeie a reação.”
Negar as consequências físicas e psicológicas do aborto deixa as mulheres desprotegidas
Ondina Vélez, médica de família e especialista em saúde sexual e reprodutiva, acredita que o debate atual é mais político do que médico. “Não acho que faça muito sentido entrar na discussão sobre se a síndrome pós-aborto existe ou não, porque isso é, em última análise, uma questão de semântica. O que existe, sim, são os sintomas físicos, psicológicos e psicossomáticos que muitas mulheres experimentam após um aborto, seja ele induzido ou espontâneo. Isso é mais pronunciado no primeiro caso, porque há todo um processo de compreensão das razões que levaram a pessoa a tomar determinada decisão em um momento específico. No fim das contas, para qualquer mulher, mesmo uma muito determinada, fazer um aborto é um evento traumático.”
Portanto, para Vélez, os números relativos ao aborto e ao aborto recorrente (mulheres que já fizeram três, quatro ou mais abortos) devem ser encarados como um fracasso — algo de que uma sociedade não pode se orgulhar.
Esses dois profissionais concordam que negar as consequências físicas e psicológicas do aborto deixa as mulheres desprotegidas.
“Em qualquer intervenção médica, há informações prévias e acompanhamento posterior”, destaca Vélez. “Este não é o caso das mulheres que fazem um aborto. Se você nega que possa haver sintomas após um aborto, seja ele natural ou induzido, você as abandona e pode até estigmatizá-las. Os políticos se envolveram em uma batalha política sobre a linguagem, e o que ninguém pergunta é o que deve ser feito para ajudar essas mulheres.”
“As mulheres são deixadas à própria sorte”, destaca Casanova. “É necessário acompanhá-las, apoiá-las e, por exemplo, agilizar a adoção para que seja uma opção viável.”
Eles também apontam para a necessidade de mais pesquisas rigorosas. Nesse sentido, ambos destacam o estudo recente conduzido pelo Instituto Charlotte Lozier, no Canadá, que acompanhou um milhão de mulheres durante 17 anos e concluiu que as taxas de hospitalização por problemas de saúde mental em mulheres que fizeram aborto eram duas vezes maiores do que naquelas que não fizeram; e que, entre as primeiras, as taxas eram especialmente altas nos cinco anos seguintes ao aborto ou se elas tivessem menos de 25 anos.
Diante do debate político, a dor pessoal
Em todo caso, como em qualquer batalha política, as ideias — e os estudos — seguem um caminho, e a realidade segue outro. O debate terminológico é uma coisa; a luta de algumas mulheres é outra bem diferente.
Este é o caso de Paula, que, aos 20 anos e estudante universitária, engravidou. Após o choque inicial, com a ultrassonografia nas mãos e a previsão da ginecologista — “parece uma menina” —, ela ficou radiante com a ideia de se tornar mãe. Mas a alegria durou apenas alguns dias. Seu namorado estava apavorado.
Ele não queria ser pai; tinha planejado um intercâmbio Erasmus, queria continuar os estudos e esquecer o “problema” o mais rápido possível. Paula estava irredutível: teria sua filha com ou sem ele. Mas então os adultos intervieram: seus pais e, principalmente, os pais do namorado.
Pediram que ela voltasse para casa — ela estava estudando longe — para conversarem com calma. “Foram dois dias de lágrimas, chantagem psicológica, ‘você não pode fazer isso com a gente’ e ‘não se preocupe, não vamos te deixar sozinha’. Minhas forças estavam se esvaindo. Eles me afastaram dos meus amigos, que sempre me apoiaram, e agora eu tinha cinco pessoas na minha frente repetindo que eu ia arruinar a vida delas, que eu era egoísta.”
Paula finalmente cedeu. Muitos anos se passaram, mas, quando ela relembra o tempo que passou na clínica, recorda cada detalhe como se fosse ontem: o quarto, os objetos, os rostos das outras meninas, as conversas das enfermeiras antes de a sedarem…
“Naquela noite, não preguei o olho; nem na seguinte, nem na outra… sempre que fechava os olhos, os pesadelos começavam. Crianças chorando, bebês por toda parte, mulheres grávidas falando sobre como estavam felizes com seus filhos… noite após noite após noite… incontáveis noites sem dormir, chorando, apavorada, me sentindo um lixo. Eu havia matado meu filho, meu próprio filho. Tudo pelo que eu lutava, todos os meus princípios, meus valores, eu havia jogado tudo fora. Disseram-me que não me deixariam em paz, mas foi exatamente o que aconteceu. Ninguém me entendia. Todos haviam se livrado de seus próprios problemas e estavam felizes, mas e eu? Ninguém perguntou como eu estava. O problema deles estava resolvido; o que viesse a seguir não importava. Eu estava sozinha.”
“É uma loucura: toda vez que você vai fazer qualquer tipo de cirurgia, eles te dão todas as informações: os prós, os contras, o que pode acontecer com você, os riscos…”
(María)
Após muita ajuda profissional e um processo de cura, María encara o futuro com esperança, mas não consegue deixar de se irritar quando alguém nega as consequências do aborto: “Toda vez que ouço que a síndrome pós-aborto não existe, fico muito brava; é como levar um soco na cara, porque é algo que, para quem passou por isso, é muito real. E me enfurece que as pessoas pensem que isso tem a ver com o partido político em que você vota ou não vota, quando é uma experiência vivida.”
Uma experiência que, nas palavras de María, deixa uma marca para a vida toda: “Passamos por momentos muito difíceis durante todo o processo e nunca nos recuperamos completamente. Simplesmente aprendemos a conviver com isso, mas sempre há algo que nos lembra. E é verdade que, talvez, você aprenda a aceitar um pouco a dor e não seja mais como nos primeiros dias, porque você a trata como trataria uma depressão ou qualquer outro tipo de doença. Mas é uma doença crônica… você melhora, mas ela não desaparece.”
María destaca o contraste entre querer negar informações que, em qualquer outra intervenção, são fornecidas: “É uma ilusão: toda vez que você vai fazer qualquer tipo de operação, eles te dão todas as informações: os prós, os contras, o que pode acontecer, os riscos… Eu acho que — no caso do aborto — eles também deveriam te informar sobre as consequências que ele acarreta, tanto no nível físico quanto no psicológico.”
Os homens também sofrem
O debate em torno da síndrome pós-aborto deixou os homens de fora, como se o assunto não os afetasse. A realidade é que, embora talvez menos visíveis, muitos homens também sofrem as consequências do aborto.
José tem 52 anos e, em 1994, quando cursava o primeiro ano da universidade, sua namorada engravidou. “Naquela época, eu morava em um país onde o aborto não era um problema e só era penalizado se o feto estivesse com vários meses de gestação. Éramos muito jovens e muito pobres, e achávamos impossível ter um filho nessas circunstâncias. Concordamos que ela deveria interromper a gravidez, que estava com apenas algumas semanas. Não víamos outra opção e, além disso, pessoalmente, eu não pensava muito nisso na época: embora eu fosse cristão pentecostal, aquela igreja não falava nada sobre aborto nas primeiras semanas; não o considerava a eliminação de uma pessoa, mas apenas de algumas células. O próprio nome do procedimento, ‘regulação menstrual’, mascarava a realidade do aborto; suavizava a situação. Quando tudo acabou, ela saiu com dor, transtornada, e eu fiquei envergonhado.”
Isso aconteceu há 30 anos, mas permanece em sua memória. José terminou os estudos, encontrou uma nova namorada com quem está felizmente casado e, com o tempo, percebeu que não eram apenas “algumas células”, mas sim seu filho.
E ele continua a “lembrar” disso: forma uma imagem um tanto vaga em sua mente e se pergunta como ele seria. “Eu me lembro disso todos os dias; não esqueci a data do aborto, e durante todo esse tempo tenho um pensamento dolorosamente recorrente: ‘Agora ele teria 10 anos; agora ele teria 20; agora ele teria 31.’ Eu sei que tenho um filho no céu; que sou pai. Nunca falei sobre essa experiência fora da minha família até hoje, mas, como tenho fé e sei que Deus me perdoou, nesse sentido tenho paz. Reconstruí minha vida, mas, quando ouço pessoas dizerem que a síndrome pós-aborto não existe, que não tem fundamento científico, penso que — pelo menos no meu caso — ela é real e que não afeta apenas mulheres, mas também homens.”
Todos esses depoimentos apontam na mesma direção: além do debate científico sobre a existência ou não de uma síndrome, é importante não silenciar as experiências — muitas vezes dolorosas — de quem enfrentou um aborto. E deixar de lado ideologias para criar políticas proativas que auxiliem as gestantes.
© 2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: O debate sobre a “síndrome pós-aborto”: que os protagonistas falem.
Matéria: Gazeta do Povo





