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Política

Brics abandonam pragmatismo e debatem cultura e valores

A participação brasileira no bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudida, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Indonésia), vinha sendo justificada pelo governo como pragmática e focada em interesses econômicos. Mas a realização do II Fórum Brics “Valores Tradicionais”, nesta semana na Câmara dos Deputados, em Brasília, mostrou que nações que integram o bloco têm pretensões de debater e possivelmente exercer influência cultural e nos valores morais dos demais países do grupo.

O evento começou na terça-feira (16) e termina na noite desta quarta-feira (17). Os países que mais têm se destacado são a Rússia, a África do Sul, a Etiópia e a Índia. Participantes chineses não tiveram participação ativa nos debates. O fórum foi criado há um ano em uma reunião do Brics na Rússia.

A deputada sulafricana Nobuntu Webster afirmou em sessão plenária que o Brics não deve ser só um bloco de cooperação econômica e sim um “farol moral”. “Isso é sobre moral e civilização. Não há um único poder que deve ditar o destino da humanidade”, disse ela se referindo aos Estados Unidos.

O deputado russo Dmitry Kuznetsov afirmou: “Não podemos só ficar no pragmático, temos que pensar valores também”. Ele mediou uma mesa redonda com o tema “análise dos valores compartilhados das nações Brics por meio de tradições, cultura, cinema e literatura”. Ele difundiu uma parceria entre Brasil e Rússia no campo da literatura.

Kuznetsov foi sancionado pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Europeia e Canadá, entre outras nações devido à invasão da Rússia em 2022. A Embaixada da Ucrânia no Brasil afirmou em nota que “condena categoricamente o envolvimento do deputado da Duma de Estado russa, Dmitry Kuznetsov, em quaisquer eventos no território brasileiro. O político russo mencionado é um instigador direto da guerra da Rússia contra o povo ucraniano.”

O bloco dos Brics não tinha uma agenda política clara até 2023, quando a China ocupou a presidência rotativa e passou a implementar uma agenda política antiamericana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acabou se tornando um dos principais porta-vozes da iniciativa do bloco para promover meios alternativos ao dólar como moeda principal do comércio internacional. Segundo analistas, essa é umas das razões que teriam levado o presidente americano Donald Trump a aumentar as tarifas comerciais impostas ao Brasil.

O deputado Hemang Yogesh Joshi, da Índia, afirmou que na visão de seu país o fórum não deve ser visto como uma iniciativa antiamericana. Ele usou a metáfora de que o mundo é uma grande família para defender o conceito de multipolarismo, segundo o qual poder global deve ser dividido entre potências regionais e não ficar nas mãos de um único país.

As nações participantes do fórum em Brasília assinaram um documento listando 12 princípios comuns, que seriam, segundo os organizadores, valores fundamentais para a cooperação entre as nações. Eles são: soberania e igualdade de culturas; bem-estar na economia e justiça social; mundo multipolarizado e multilateral; saúde; desenvolvimento; gerações futuras; humanidade e paz; mútuo respeito; mitigação do fanatismo; solidariedade e unidade; misericórdia; e cultura de integridade.

Na avaliação de analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o evento mostra que os Brics têm buscado ampliar sua atuação para o campo cultural e ideológico, numa tentativa de projetar influência global para além da economia e reforçar a sua posição antiocidental. 

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida avalia que o discurso de multilateralismo e justiça internacional contrasta com a prática das principais potências que dominam o bloco. Ele pontua que Moscou violou abertamente a Carta da ONU ao invadir a Ucrânia, enquanto Pequim mantém pressões constantes sobre Taiwan.

Para Almeida, o grupo perdeu clareza de propósitos e busca apenas servir aos interesses de seus líderes mais fortes. “Considero essa iniciativa totalmente artificial, pelo menos do ponto de vista do Brasil, uma das poucas democracias, junto com a Índia, desse bloco, que se desviou de seus objetivos originais, à cooperação econômica para se constituir, sob a direção de Rússia e China, um agrupamento antiocidental”, disse o diplomata.

Questionado sobre a presença da Rússia no evento enquanto o ditador Vladimir Putin é procurado por envolvimento no sequestro de 19 mil crianças ucranianas, o deputado Ronaldo Nogueira (Republicanos-RS), presidente da Frente Parlamentar PROSUL, no entanto, defendeu a aproximação de diferentes perspectivas como condição para o entendimento e a cooperação. 

Segundo Nogueira, excluir Moscou das discussões seria um erro. Ele argumenta que o diálogo, mesmo com divergências, é o caminho mais efetivo para alcançar a paz. “A contradição é quando você tem um posicionamento excludente. E a melhor forma de você promover o entendimento e promover a paz é aproximando”, afirmou. Para ele, fóruns como o do BRICS têm a capacidade de criar uma “unidade de propósito” entre países distintos. 

Blocos de integração tendem a avançar em pautas

A incorporação de pautas culturais no Brics é interpretada por analistas como um movimento que ultrapassa a economia. O avanço é visto como um processo “natural de amadurecimento”, em que o bloco deixa de ser apenas um arranjo econômico para se tornar também um espaço de diálogo entre civilizações. Contudo, um questionamento se dá pelo fato dos países que lideram o bloco serem ditaduras ou autocracias.

O movimento é visto pelo cientista político Adriano Gianturco, professor do Ibmec-BH, como a transformação do bloco em uma plataforma antiocidental. Para Gianturco, a aposta em valores culturais faz parte de uma estratégia para legitimar essa mudança.

“O bloco compreende o poder da cultura e do soft power e busca ampliar suas esferas de atuação para contestar a ordem global. Mas há uma incoerência gritante. Promovem valores como ‘mútuo respeito’, ‘mitigação do fanatismo’, ‘misericórdia’ e ‘paz’, enquanto muitos de seus membros, como China e Irã, são regimes autoritários e repressores. É uma farsa funcional: o discurso serve para mitigar críticas externas e continuar reprimindo direitos humanos”, explicou Gianturco.

O professor de Economia Internacional, João Gabriel Araujo, do Ibmec Brasília, lembra que a economia e a política estão intimamente ligadas e que qualquer aliança comercial inevitavelmente se transforma em uma aproximação política e ideológica.

Ele cita como exemplo a integração de blocos como União Europeia, Mercosul e Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio), que começaram com propósitos econômicos, mas logo ampliaram seu escopo. Para Araujo, é natural que a cultura entre na pauta, pois a interação comercial leva à circulação de pessoas, ideias e valores. Nesse sentido, falar em música, literatura e tradições é também consolidar uma aproximação política.

O professor acrescenta que, no mundo globalizado, a cultura funciona como uma forma de soft power, ou seja, poder exercido por influência cultural e não por coerção militar. Ele relembra como os Estados Unidos exerceram enorme influência sobre a América Latina entre as décadas de 1960 e 1990 por meio da cultura popular, reforçando sua liderança geopolítica. Para Araujo, a diferença hoje é que esse processo ocorre em escala muito mais rápida, impulsionado pela tecnologia e pelo consumo imediato de produtos culturais.

Para além da dimensão cultural, Araujo entende que o movimento do Brics aponta para uma integração mais profunda. Ele avalia que a China busca liderar um novo domínio econômico e simbólico, acelerando a criação de vínculos irreversíveis entre os países do bloco.

Segundo o professor, a política tarifária implementada pelos Estados Unidos durante o governo Donald Trump acabou aproximando ainda mais o Brasil e outros emergentes da órbita do Brics. “A tendência é que essa proximidade se intensifique cada vez mais, tornando-se possivelmente irreversível à medida que contratos comerciais são firmados e ocorre uma migração cultural entre os membros do bloco”, observa.

A perspectiva, nesse sentido, é que o Brics caminhe para além de sua função econômica original e assuma características de uma aliança política e ideológica, ainda que não declaradas de forma explícita. Esse movimento pode alterar de maneira significativa o equilíbrio global, sobretudo se consolidar uma narrativa alternativa à da ordem internacional liderada pelo Ocidente.

Matéria: Gazeta do Povo

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Gabriel de Melo

Criador, fundador e locutor da Rádio Esperança e também do Blog Palavra de Esperança, tem como objetivo divulgar o evangelho de Cristo par outras pessoas através da Internet por meio dos louvores e da palavra de Deus nas mídias sociais.

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