Alguém sabe o que NÃO é atentado à democracia hoje em dia?

Uma das grandes inquietações do brasileiro hoje é estar andando na rua, tranquilamente, e, de repente, perceber que atentou violentamente contra o Estado Democrático de Direito, sem sequer perceber que faz parte de uma trama golpista criada por uma organização criminosa armada, incentivada pelas milícias digitais antidemocráticas, a mando do gabinete do ódio.
A qualquer momento, um cidadão trabalhador pode ser parado por dois homens em uma moto, no caminho de volta para o trabalho, que o interpelam e o avisam de que ele fomentou um golpe armado contra a democracia por ter atacado a honra de autoridades e a honra das urnas e do sistema democrático. Afinal, LIBERDADE DE EXPRESSÃO NÃO É LIBERDADE DE AGRESSÃO!!!!
Por isso, urge recrutar os melhores esforços envidados pelos maiores juristas do país para, de uma vez por todas, definir hoje o que NÃO é um atentado violento contra o Estado Democrático de Direito, para podermos andar nas ruas sem sermos colocados em um camburão. Se bem que a PF pode bater em nossa casa às 6 da manhã, de toda forma.
Por exemplo, se você NÃO viajou para os Estados Unidos, será que pode ser preso por ter destruído as instituições democráticas? Ao que tudo indica, sim. O escândalo Filipe Martins está aí para provar que qualquer pessoa, a qualquer hora do dia, pode ser presa por ter viajado para os Estados Unidos e ser presa em Ponta Grossa, ou Quixeramobim, ou Várzea Grande Paulista, já que “fugiram” para a América e foram presos em suas casas no Brasil.
E se você pegar um Uber no dia 19 de novembro? Como o próprio escândalo Filipe Martins mostra, você pode ser preso por ter participado de uma reunião no dia 7 de dezembro (sic). Exatamente como A Democracia Que Se Fez Carne, Sua Excelência Egrégia e Colenda Alexandre Democrático de Moraes alegou para prendê-lo. Dia 19 de novembro não é um dia para pegar Uber.
Pior ainda se você visitar Brasília. Como Alexandre Instituições Democráticas de Moraes também alegou, você pode estar golpeando violentamente as instituições democráticas porque houve uma reunião no Palácio da Alvorada às 7 da manhã, e você pegou um Uber em direção ao palácio que chegou às 14h53, mesmo sem nenhuma prova de que tenha feito parte da reunião.
Outro caso famoso é o da Débora do Batom. A velha imprensa noticia como “pichação” o que é apenas uma batonzada (aquilo que sai com um paninho, como toda mulher e a Erika Hilton sabem). Mas o batom, sejamos justos, não enseja necessariamente atentado violento contra o Estado Democrático de Direito — afinal, em uma manifestação de esquerda, picham bem mais, e com tinta de pichação mesmo, e ninguém vai nem para a delegacia.
Fora quando petistas pintaram de vermelho o apartamento de Cármen Lúcia, em Belo Horizonte. Qual é o critério objetivo, então? Parece ser a frase citada: “Perdeu, mané” (apud Barroso). Parece que citar Barroso é uma violação da democracia. Aí pode até fazer algum sentido inconfesso, já que o próprio Barroso foi julgador. E acusador. E suposta vítima.
VEJA TAMBÉM:
Outra coisa que pode ser um ataque à democracia é fazer operação policial contra compra de votos no dia da eleição. Foi o argumento usado contra Silvinei Vasques: se ele organizou uma operação da PRF contra a compra de votos, prejudicou os votos do PT; portanto, acabou com a democracia. Claro, lendo a acusação contra Silvinei com algo minimamente parecido com lógica, tem-se a curiosa impressão de que a acusação é uma própria confissão de crime: se sabiam que os votos comprados eram para o PT, impedir a investigação é prova de crime duplo.
Mas, numa democracia em que juiz acusa, em que a suposta vítima julga, em que juiz legisla (e vai ao Parlamento dizer como devem ser as leis!), em que preso por corrupção é solto por juiz e depois vai palestrar em evento organizado pelo juiz para discutir o Brasil fora do Brasil, qual é o problema de um pequeno TRAMBIQUE na ordem das coisas?
Também não se pode dizer que Lula ganhou nos presídios, porque isso seria fake news. Ops! Não era fake news, mas, como pega mal para o Lula, importou-se o, digamos, “conceito” de “desordem informacional” (sic), termo criado para censurar notícias verdadeiras. Tampouco se pode dizer que Lula é amigo do Ortega, que está matando católicos na Nicarágua. Nem que liberaria o aborto — porque o juiz que alegou que isso é proibido de se dizer legalizou ele próprio o aborto e ainda cobrou que hospitais provassem que estavam abortando (!).
Atenção! Também não se pode cogitar fazer um documentário sobre Adélio Bispo. Quando a Brasil Paralelo anunciou que faria um programa para investigar o caso, foi proibida pelo mesmo Tribunal Eleitoral, antes mesmo de o documentário estar pronto.
Qual a razão? Obviamente, atrapalharia o PT, embora não tenham confessado isso com todas as palavras. Ah, desculpe. Atrapalharia a democracia. Por isso criaram a censura prévia. Para salvar a democracia. Porque é muito normal um Tribunal ELEITORAL censurar. Já que havia também desmonetizado o canal da Bárbara Destefani, do Te Atualizei, dois anos antes.
Já íamos nos esquecendo de um golpe bem violento! Usar o X, antigo Twitter! Por cerca de 40 dias, usuários do X, antigo Twitter (lembre-se sempre de escrever o nome do X, antigo Twitter, por extenso, assim: “X, antigo Twitter”), foram proibidos de postar no X, antigo Twitter, sob pena de multa de R$ 50 mil por dia, já que isso seria um atentado contra as instituições democráticas representadas pela vontade de Alexandre Instituição Democrática de Moraes.
E como a Lei Maior do país é o inquérito das fake news, de propriedade de Alexandre, o Grande Democrático, de Moraes, muitas coisas também não podem ser ditas fora do X, antigo Twitter, ou em épocas em que Alexandre “deixa” (repetindo: DEIXA) o X, antigo Twitter, no ar. Desde fazer uma reportagem revelando o que Marcelo Odebrecht confessou sobre quem é o “Amigo do Amigo do Meu Pai” em uma lista de propinas da Odebrecht até… bom, qualquer coisa que Alexandre de Moraes não queira.
Assim, podemos separar mais claramente os golpistas antidemocráticos dos defensores da democracia. Basta só não cometer os crimes supracitados que você não vai preso, e a democracia será salva.
Matéria: Gazeta do Povo





