farol da harmonia entre fé e razão

O papa Leão XIV proclama Doutor da Igreja São John Henry Newman, farol luminoso do século XIX na Inglaterra. Isto confirma que a razão capaz de se abrir e se alongar à Verdade, como apontou Bento XVI no discurso de Ratisbona, estimula os que se ocupam das ciências, das artes e da religião a abraçarem a fé que não rejeita o próprio e sublime do ser humano: o pensar.
A figura de São John Henry Newman exemplifica o que Chesterton escreveu: ao entrar na Igreja eu tiro o chapéu, não o intelecto. Para crer em Cristo não é preciso renunciar a pensar e indagar a verdade. Ao contrário, é preciso penetrar com seriedade e honestidade intelectual na Verdade que sustenta a história e o peregrinar humano pelos caminhos surpreendentes da ciência. Isto realizou São John Henry Newman.
São John Henry Newman merece ser Doutor pela sua fidelidade a Cristo e ao Evangelho que transparece ao longo dos séculos na viva tradição da Igreja Católica que edificou o nosso Ocidente
Torna-se Doutor da Igreja devido aos seus profícuos escritos que testemunham o esforço e amor pela verdade de Cristo, mostrando que os caminhos, inclusive tortuosos das ciências e das artes, conduzem o ser humano a Deus. Durante os seus estudos em Oxford, sendo anglicano, teve a coragem e a perspicácia de aprofundar na realidade do cristianismo, indo aos Padres da Igreja, às personalidades medievais, subindo sobre ombros de gigantes – como afirmou Bernardo de Chartres – com uma só finalidade: para ver mais longe do que eles.
O mais importante que nos ensina São John Henry Newman não é que só temos que subir sobre ombros de gigantes, isto é, de personagens antigos de um passado aparentemente indiferente aos desafios do presente, mas que podemos ver além da imediatez do presente só subindo sobre a riqueza sapiencial da fé dos que refletiram essa Verdade. Diante disso, convida-nos com o seu exemplo a estudar e mergulhar na fé católica com seriedade e humildade, pois sem isso, a busca de Deus se torna difícil e o encontro com a Verdade quase impossível.
Diante desse aprofundamento na fé, São John Henry Newman descobriu as raízes que sustentam o Ocidente: raízes católicas. Afirmou que a Inglaterra não pode esquecer figuras de realce que a construíram. Ao se deparar com São Beda Venerável, com São Gregório Magno que no século V enviou Santo Agostinho de Canterbury para ser ali ponto firme e luminoso da catolicidade, ele se aferrou plenamente às raízes profundas da identidade católica da Inglaterra.
Ao vasculhar com inteligência essas raízes, ele encarnou, junto com a sua passagem do anglicanismo ao catolicismo, a coerência de participar ativamente da tradição católica que serve a Revelação Divina. Como sublinha São Vicente de Lerins no seu Commonitorium no n. 22: o que faz parte da Tradição é aquele que crê em algo que lhe foi dado, não no que ele próprio elaborou. O que lhe foi dado é ouro, a sua responsabilidade é entregar ouro às futuras gerações, isto é, a fidelidade ao Evangelho de Cristo. São John Henry Newman merece ser Doutor pela sua fidelidade a Cristo e ao Evangelho que transparece ao longo dos séculos na viva tradição da Igreja Católica que edificou o nosso Ocidente.
Ele, deparando-se com a história que não nega a verdade dos fatos, compreendeu que Ocidente e a sociedade inglesa não se entendem sem Deus e sem a Igreja Católica. Ademais, com a força da razão iluminada pela fé ele propagou o Evangelho de modo concreto, levando àquelas terras a espiritualidade de São Felipe Neri, respaldando a concreção de uma fé que não é só teoria, mas é dinamismo com os seus desafios e as suas alegrias. Diga-se sobretudo, com a alegria, que para ele era sempre uma dose de bom humor, característica do cristão apaixonado por Cristo.
O título de Doutor da Igreja a São John Henry Newman já era esperado por muitos, somente pelo fato de que na terceira parte do Catecismo da Igreja Católica ele é citado diversas vezes, com referências as suas obras teológicas. A sua contribuição ao aspecto moral da fé, especialmente com o objetivo de iluminar as consciências em prol do homem chamado a viver de cara a Deus, mostra a sua preocupação pela transcendência do homem e pela missão da Igreja Católica que é servir a Verdade de Cristo, ao iluminar as consciências com a luz do Evangelho.
Com este título, com certeza crescerá o interesse por estudar e aprofundar os seus valiosos escritos: Ensaio sobre o desenvolvimento do dogma, Gramática do assentimento, Sermões, Cartas e Diários, Via Média, Apresentações católicas etc. Abre-se assim um amplo leque de aprofundamento teológico graças ao exemplo e ao pensamento admiráveis de um homem que permitiu que o Senhor o conquistasse, passando pelo mais nobre dos exercícios humanos: o pensar a fé com humildade e seriedade. Tudo isto não sem o mistério do coração que busca como ele próprio quis realçar no seu túmulo com a seguinte inscrição: ex umbris et imaginibus in Veritatem (Das sombras e das figuras à Verdade).
Celso Júlio da Silva, padre, é mestre e doutorando em teologia e ciências patrísticas no Instituto Pontifício Patrístico Augustinianum de Roma.
Matéria: Gazeta do Povo





