O dia da queda: testemunho de quem viu o que o narcoterrorismo fez com o Rio

Desde que a ADPF 635 proibiu operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro – uma proibição que durou cinco anos – a polícia carioca vem avisando que as consequências seriam a consolidação do domínio territorial do narcotráfico e seu fortalecimento bélico, e que o custo da retomada dos territórios seria imenso. Essa previsão começou a ser confirmada nessa terça-feira, 28 de outubro de 2025.
A polícia realizou uma operação para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão nos complexos de favelas da Penha e do Alemão. A reação do tráfico resultou em quatro policiais assassinados. Mais de uma centena de fuzis foram apreendidos e dezenas de criminosos foram mortos ao enfrentar a polícia.
A cidade estremeceu de medo. Cariocas voltaram mais cedo para casa, assustados com o toque de recolher imposto pela facção. Ônibus foram usados como barricadas para fechar vias estratégicas. Criminosos ameaçaram bloquear a ponte Rio-Niterói. Pais correram para buscar os filhos quando as escolas interromperam as aulas.
Um amigo ficou ilhado com a família em Arraial do Cabo, porque a companhia de ônibus suspendeu as viagens e a venda de passagens. Outro, ao chegar ao hospital para uma internação programada, foi informado de que haveria grande atraso devido à falta de funcionários, que não conseguiram chegar ao trabalho. Por toda a cidade, inclusive nas áreas turísticas da zona sul, lojas, bares, restaurantes e farmácias fecharam as portas antes das oito da noite.
O pânico se espalhou por telefonemas e mensagens. Em um prédio residencial da zona sul, o síndico suspendeu entregas de delivery, depois de receber uma informação de que uma facção iria “invadir o Leblon”.
O desafio que o tráfico impõe é claro: ou ele é vencido ou nos dominará
O nome disso é terrorismo. Há facções narcoterroristas operando no Brasil. Só no estado do Rio elas dominam mais de 1.400 comunidades.
O governo de Donald Trump declarou guerra aos cartéis. Na guerra, o objetivo é destruir a capacidade de luta do inimigo. É isso que as forças americanas estão fazendo no mar do Caribe, explodindo barcos de transporte de droga. O governo brasileiro protestou, e aproveitou para classificar os traficantes como “vítimas” dos usuários. Mas é provável que o governo saiba muito bem o que fazem as facções do tráfico, assim como sabem os juristas que, sob as mais diversas teses e desculpas, produziram decisões – como a ADPF 635 – que trouxeram o Rio de Janeiro a esse estado inconstitucional de medo.
O desafio que o tráfico impõe é claro: ou ele é vencido ou nos dominará. Essa provocação tem sido ignorada pelos tribunais superiores – por uma mistura de política com justiça – pelo Congresso Nacional – com indiferença que beira o deboche – e pelo governo federal do PT, por cegueira ideológica, obsessão com narrativas e razões ocultas que só o tempo esclarecerá.
Terrorismo não é um problema dos estados da federação; enfrentá-lo é responsabilidade da União. Um governo federal que não impede a entrada de drogas e armas, nem tem o domínio do território, é um tigre de papel. Os traficantes sabem disso.
O enfrentamento do narcoterror deveria ser prioridade das forças de segurança, inclusive das forças armadas. Se a doutrina não permite isso, que a doutrina seja alterada. Um país que não exerce soberania sobre territórios em suas maiores cidades, não conseguirá defender fronteiras, ou a integridade das instituições. Um país vencido por dentro cairá sozinho, sem que seja preciso uma guerra externa.
A verdadeira guerra já está sendo travada nas ruas, e a polícia está combatendo sozinha.
Matéria: Gazeta do Povo



