O lulopetismo e a blindagem às facções terroristas

O Brasil vive hoje uma das maiores farsas jurídicas de sua história recente. De um lado, temos o Supremo Tribunal Federal (STF) classificando os vândalos do 8 de janeiro de 2023 – basicamente idosos, trabalhadores, pais e mães de família sem antecedentes criminais – como “terroristas” e “golpistas”. Do outro, temos o governo federal, infelizmente amparado por uma legislação inútil, recusando-se a declarar o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas.
É preciso ter a coragem de perguntar: o que é mais nocivo e desestabilizador para o Estado Democrático de Direito? Quebrar vidraças e bens palacianos ou promover a narcotização da sociedade, a tomada de territórios e um banho de sangue, mantendo comunidades inteiras reféns do medo?
A causa remota desse paradoxo está em uma lei mal escrita e inócua, que parece ter sido feita para ser ignorada: a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016). O professor, doutor e especialista em Direito Penal Gerson Faustino Rosa, autor do livro Terrorismo: elementos essenciais para a tipificação legal, aponta que a lei foi promulgada em um contexto histórico apressado, para atender pro forma certas exigências externas, e usou elementos do crime de genocídio para tipificar o terrorismo.
O texto da lei limita, no Artigo 2º, que o terrorismo consiste em atos de violência cometidos “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. De acordo com Gerson Faustino, essa tipificação é equívoca, pois o terrorismo moderno não é apenas étnico-racial ou religioso, mas sim um instrumento de controle e intimidação com fins político-territorialistas.
A farsa jurídica que isenta terroristas e pune severamente pequenos infratores precisa acabar. Facções como PCC e CV preenchem todos os requisitos para serem classificadas pelo que são: terroristas que cometem atos brutais com o fim de intimidar a população, construir Estados paralelos
A Lei Antiterrorismo não criminalizou o terrorismo propriamente dito, mas atos que já eram crime antes dela. “A legislação brasileira que deveria punir o terrorismo e tutelar os bens jurídicos mais importantes de tão graves violações, acaba por, estranhamente, blindar as organizações terroristas de responsabilizações penais.”, interpreta o professor.
O PCC e o CV há muito excederam o negócio de vender drogas; almejam o controle absoluto de territórios e até o aparelhamento de instituições públicas, valendo-se muitas vezes da violência para atingir esses fins. As facções impõem inclusive um “código de conduta”, à guisa de uma legislação própria, nas comunidades sob seu domínio. Ali o Estado não entra e elas impedem a seu bel prazer o funcionamento de serviços públicos (a começar pela justiça) e o exercício de direitos básicos (como o de ir e vir). Não é diferente do ISIS (Estado Islâmico) controlando territórios inteiros dentro da Síria ou do Iraque. E isso, caro leitor, é a definição pura de terrorismo sob o ponto de vista de qualquer país sério.
Na Itália, cujo Código Penal o Prof. Gerson cita em seu livro, “a conduta com finalidade terrorista” é toda aquela que “pode afetar gravemente um país… com a finalidade de intimidar a população ou obrigar um governo” a fazer ou deixar de fazer algo.
Já em Portugal, a lei “que define as organizações terroristas refere-se ao fim de prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição… intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante a prática de qualquer crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas…” (p. 220)
Pelos padrões europeus, podemos dizer que o PCC e o Comando Vermelho deveriam estar, há muito tempo, enquadrados como grupos terroristas. Não faltam razões. O Brasil é o país da América Latina com maior porcentagem da sua população vivendo sob governança criminal: 26%, segundo pesquisa publicada pela Cambridge University Press.
Não nos esqueçamos também do “Salve Geral” do PCC que executou uma série de ataques em São Paulo, matando policiais nas ruas e em delegacias, metralhando bancos e incendiando ônibus, além de ter assumido o controle de 67 presídios em 2006. Foi num domingo de Dia das Mães. Os atentados resultaram na morte de 59 agentes públicos, entre policiais, guardas civis, bombeiros e agentes carcerários. O povo paulista ficou refém do medo por dias. Na segunda-feira, o comércio permaneceu fechado na maior metrópole do país, as aulas foram canceladas, milhares de pessoas ficaram presas em casa e, ao cair da noite, as ruas ainda estavam incrivelmente vazias.
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Ataques com explosivos em diversas delegacias e quartéis de polícia e até uma tentativa de atentado com carro-bomba à Assembleia Legislativa do Ceará em 2021 não deixam dúvidas: o maior inimigo da tranquilidade pública e das instituições do Estado brasileiro é o narcoterrorismo do Comando Vermelho e do PCC, não os desafetos ideológicos do governo Lula – embora os manda-chuvas do judiciário federal pareçam crer no contrário.
Em 2017, pessoas foram decapitadas e esquartejadas quando o Comando orquestrou um massacre no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, gravando cenas que foram claramente pensadas para incutir terror. E quem não se lembra do jornalista Tim Lopes, torturado e esquartejado em 2002 no Complexo do Alemão enquanto investigava a exploração sexual de menores em bailes funk? Recentemente, uma cozinheira de 45 anos, Antônia Ione Rodrigues, foi assassinada diante da filha por faccionados que exigiam que ela envenenasse a comida dos policiais da corporação na qual trabalhava. Em maio, após um traficante ter sido morto por um rival em Salvador, o “Comando” decretou “toque de recolher” para um bairro inteiro da capital baiana.
Tais atos não são típicos de quadrilhas do “crime organizado”, como assaltos a banco ou abastecimento de redes de tráfico. São atos de guerra assimétrica contra o Estado e a população civil. A legislação vigente desarmou a população brasileira com o Estado do Desarmamento de 2003 e depois amarrou as mãos dos agentes de segurança de mil maneiras, da Lei Antiterrorismo à ADPF das Favelas (ADPF 635), dificultando o combate às facções.
A Lei de 2016 foi criada a toque de caixa para atender interesses de conveniência do então governo Dilma. Na ocasião, recorda Gerson Rosa, o governo tinha em sua mesa “recomendações do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo) e do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) em virtude dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, bem como, da iminência de sediar os Jogos Olímpicos de 2016, na cidade do Rio de Janeiro.” (p. 118)
Ou seja, crescia a pressão para que o Brasil criasse alguma legislação antiterrorista, destinada a proteger, por exemplo, os atletas olímpicos e suas comitivas. Precedentes de atentados durantes os jogos já existiam. Parte da equipe olímpica de Israel havia sido assassinada em 1972 por terroristas palestinos nas Olimpíadas de Munique. Como os judeus são uma etnia e professam uma religião específica e os palestinos outra, possíveis atos de violência ligados a esse conflito couberam na tipificação inadequada da Lei de 2016.
Ao mesmo tempo, facções do narcotráfico e grupos de extrema-esquerda como o Movimento dos Sem Terra (MST) permaneceram incólumes, fora do alcance da lei. Em linha com essa pauta, o governo Lula, aliás, acaba de reforçar a blindagem do MST mediante o Decreto 12.710/2025, que prevê escola policial e segurança especial para os invasores de terras. E isso nos diz muito sobre as prioridades de sempre do lulopetismo e seu descaso pelos reais problemas do Brasil.
A farsa jurídica que isenta terroristas e pune severamente pequenos infratores precisa acabar. Facções como PCC e CV preenchem todos os requisitos para serem classificadas pelo que são: terroristas que cometem atos brutais com o fim de intimidar a população, construir Estados paralelos (onde o traficante é rei) dentro das nossas cidades e impedir a ação legal das forças de segurança.
A inércia de Brasília e a miopia de tantos juízes e legisladores denotam uma omissão conivente que coloca em risco a vida de milhões de brasileiros vulneráveis, como o trabalhador assalariado que todo dia sai de casa para pegar o ônibus e ir ganhar o seu pão.
É urgente que a Lei Antiterrorismo seja revisada para que deixe de ser letra morta e o governo federal assuma a responsabilidade de nomear o terrorismo pelo que ele realmente é, combatendo-o com todo o poder de ataque que a União dispõe. A segurança do país e o direito dos nossos cidadãos dependem disso.
Valdemar Bernardo Jorge é secretário de Estado da Justiça e Cidadania do Governo do Paraná e presidente do Instituto do Bem Comum (IBC).
Matéria: Gazeta do Povo



