Por que artistas deveriam se calar (e o bom exemplo de Jennifer Lawrence)

“Caso Donald Trump se torne presidente dos Estados Unidos, será o fim do mundo”, disse Jennifer Lawrence em outubro de 2015, pouco antes de Donald Trump se tornar presidente dos Estados Unidos pela primeira vez. Como podemos perceber, passados mais de dez anos, o mundo ainda não acabou e Trump já se elegeu pela segunda vez.
Se o leitor não ligou o nome à pessoa, Jennifer é a atriz que interpreta a protagonista da saga Jogos Vorazes e que esteve em vários filmes dos X-Men, ganhando o Oscar aos 22 anos por seu papel em O Lado Bom da Vida.
Dias atrás, Jennifer participou de um podcast e foi questionada sobre seu ativismo político. Respondeu: “Como aprendemos, eleição após eleição, as celebridades não fazem a menor diferença na hora de votar. (…) O que estou fazendo? Estou apenas compartilhando minha opinião sobre algo que vai alimentar ainda mais uma divisão que está dilacerando o país. (…) Quero proteger minha arte (…). E, se eu não puder dizer algo que contribua para a paz, para a redução dos ânimos ou para alguma solução, não quero fazer parte do problema”.
É ridículo, constrangedor ver esses artistas dando declarações políticas a torto e a direito
Até que enfim um artista dando exemplo de retomada de bom senso. Se tem uma coisa que não entendo nesta infantilização generalizada da polarização política mundial (que sempre existiu, mas tomou uma proporção quase religiosa na última década), é a tolice dos artistas antagonizando e afastando parte de seu público por acreditar que suas opiniões políticas não apenas são relevantes, como também deveriam ser seguida pelas pessoas.
E pouco importa que opinião seja esta, qual lado político defenda. Naturalmente quem está do lado contrário tende a se afastar, a não consumir suas obras, a não querer saber mais da sua carreira. É óbvio que isso prejudica não apenas a si, mas a arte em geral, que acaba sendo engolida pela dimensão política, quando deveria transcendê-la.
É ridículo, constrangedor ver esses artistas dando declarações políticas a torto e a direito. Poderia enumerar exemplos dessa vergonha alheia, mas vou citar apenas um, de quem gosto muito como artista, aliás. Tanto que já escrevi por aqui sobre ele. Lobão é desses que se deixou levar demasiadamente pelos ventos políticos, ora soprando à esquerda, ora à direita, ora desistindo de voar por aí, como parece ser o caso agora.
Seu exemplo me parece educativo. Era tanto o ardor com que defendia uma coisa, depois outra, que não dá pra saber, no fim das contas, o que realmente pensa. Gosto de lembrar de quando, na eleição de 1989, decidiu votar em Roberto Freire, que achava ser o psiquiatra famoso e não o político comunista que realmente era candidato. O episódio é sintomático: tanta ênfase em declarações políticas, mas nem sabia em quem realmente votava.
Pois prefiro este Lobão que mal sabe quem são os candidatos, mas compõe Por tudo que for, do que o opinador político de ocasião. Isso não significa que o artista tenha de ser apolítico. Sua ideologia pode se manifestar em sua obra, é claro. Bom exemplo disso é Philippe Seabra, da banda Plebe Rude, cujas músicas têm evidente alinhamento ideológico, como na sua mais famosa: Até Quando Esperar.
O próprio Philippe, aliás, costuma dizer que não precisa ficar falando sobre política porque se alguém quer saber o que pensa sobre isso, basta escutar suas músicas. Jennifer Lawrence parece ter descoberto isso. Na mesma entrevista, fala que os filmes de sua produtora já bastariam, caso alguém queira saber suas posições políticas. Aí a arte vence, porque sempre transcende a política. Sempre, independentemente do que o artista pense ou deixe de pensar.
Quem aí não está ou esteve viciado em alimentar a divisão e dilacerar a sociedade, jogando gasolina no fogo?
Fiquei verdadeiramente feliz ao escutá-la dizer que pretende proteger sua arte. Que outros a escutem e sigam seu exemplo. Mas não somente artistas, qualquer um, inclusive nós. Ou vai dizer que nunca alimentou divisões desnecessárias em conversas, compartilhou posts inflamados para inflamar ainda mais, escolheu o “ganhar a discussão” em vez de buscar compreensão?
Eu, sim, já fiz muito dessas, dou “check” em todas essas coisas, por várias vezes. Mas quem aí não está ou esteve viciado em alimentar a divisão e dilacerar a sociedade, jogando gasolina no fogo? Será que não continuamos sendo parte do problema?
Matéria: Gazeta do Povo





