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Por que o crime organizado se espalhou pelo Norte e Nordeste  

De olho em portos e aeroportos estratégicos, alta demanda de turistas por drogas e baixo policiamento, o crime organizado está expandindo os seus “negócios” no país, principalmente no Norte e no Nordeste.

As grandes facções, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), já não enxergam apenas a comercialização de drogas como seu principal foco. A disputa e o domínio de territórios se tornaram a fonte de poder e lucro mais atrativa.

Nas cidades fora do eixo Rio-SP, as facções se infiltram em capitais e áreas turísticas, principalmente no Ceará, Bahia e Pernambuco que têm portos e aeroportos próximos da Europa e dos Estados Unidos e segurança deficiente.

As principais facções que se alastram Brasil afora, o PCC e o CV, contam com parceiros locais. Cada uma em seu modo de operar, mas o foco é um só: lucro.

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A expansão territorial do crime organizado no Brasil se dá de duas formas. O CV geralmente coloca barricadas para delimitar um espaço e criar um sistema de extorsão que obriga os moradores a comprarem seu botijão de gás, que é mais caro, sua internet, seu gelo e até mesmo a luz que muitas vezes vem dos “gatos” – ou seja, nem custo tem à facção.

O outro formato é se espalhar pela cidade em empreendimentos legais, como lojas de perfume e postos de gasolina. A tática adotada por facções como o PCC faz com que sua capilaridade chegue ao empresariado, bancadas políticas e instituições de todo o Estado.

“As facções descobriram que esse submundo legal é mais vantajoso. Uma das maiores estratégias do crime organizado é estar dentro da máquina do Estado”, diz o juiz criminal do Espírito Santo e autor de “Terrorismo à Brasileira”, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos.

“O empresariado tem que ficar atento porque hoje eles cobram taxa de empresários pequenos nas comunidades. É questão de tempo para chegarem aos empresários maiores”, acrescenta Lemos.

Mapa do crime

O crime organizado brasileiro está em um momento de expansão territorial e sofisticação estratégica, deixando de ser um fenômeno restrito ao Sudeste.

“Hoje o governo reconhece 88 facções, sendo que a maior delas, o PCC está em 28 países, atuando fortemente na Europa. O que dá mais lucro não é a droga, mas a disputa territorial”, diz Lemos.

Das 88 organizações criminosas em atuação no Brasil, 46 estão nos nove estados do Nordeste, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ano passado o Brasil somava 72 organizações criminosas e cerca de 30 estavam na região.

Em outros números, isso significa que cerca de 26% da população brasileira vive sujeita a toques de recolher, pagamento de taxas de proteção, falta de liberdade para escolher fornecedores e ao tribunal do crime, segundo um estudo da universidade britânica de Cambridge.

O secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, Rogério Greco, explica que somente no Rio e em São Paulo prevalecem o CV e o PCC, respectivamente.

Em outros estados, existem membros dessas facções que abrem uma espécie de “filial” e articulam ou conflitam com grupos regionais como a Família do Norte (FDN). Há também as dissidências e lideranças locais que tomam controle em território novo, como reação a esses forasteiros, espelhando seus métodos.

A operação é distinta. Segundo ele, enquanto as facções cariocas e outros estados são territorialistas, ou seja, ganham mais controlando territórios porque tiram vantagem de tudo que tem ali dentro, o PCC está espalhado em todos os lugares.

“A sua maior atividade é lícita, mas fachada para lavagem de dinheiro. Tem lojas do Boticário e postos de gasolina. Deixou de ser fação e é uma máfia”, diz Greco.

“O que vemos no Norte e Nordeste não é só ‘invasão’ episódica: é uma reconfiguração do crime organizado brasileiro: PCC, CV e grupos regionais formam redes que buscam rotas, mercados e estruturas de lavagem”, alerta Fillipe Azevedo Rodrigues, coordenador do NISP (Novas Ideias em Segurança Pública).

Segundo Rodrigues, CV e PCC enviaram membros para abrir rotas e alianças no Norte e no Nordeste. A construção da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, agravou isso: o local virou um QG do crime.

“A escolha, penso eu, foi por pura ignorância dos gestores em Brasília que definiram a cidade provavelmente na expectativa de se tratar de um ‘fim de mundo’.

No Rio Grande do Norte, diz ele, o PCC perdeu muito espaço para o Sindicato do Crime (ou “do RN”) como resultado do domínio territorial, com notícias recentes de uma incursão do CV.

Crime em destinos internacionais

Bahia, Ceará e Pernambuco são os três mais visados por causa da proximidade com rotas internacionais e da reação tímida das forças de segurança nesses Estados.

Em 2023, a Polícia Federal apreendeu mais de 23 mil quilos de cocaína em 82 ocasiões. Os aeroportos com maior quantidade da droga estão no Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.

Já os portos com maior volume de cocaína apreendida estão localizados em Pernambuco, São Paulo e Paraná. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento.

Segundo Rodrigues, nessas regiões há exploração do contrabando de cigarros e de lavagem de dinheiro explorando redes de postos de gasolina. “Isso mostra uma migração das atividades também para o mercado lícito, numa espécie de diversificação e sofisticação dos investimentos das organizações criminosas”.

A escolha dessas regiões é motivada por uma combinação de fatores geográficos e institucionais.

Além de o Brasil ser uma rota importante para os traficantes venderam droga de países vizinhos (Colômba, Peru e Bolívia) para Europa e EUA, os portos e aeroportos do Norte e Nordeste têm carregamentos e voos diários e são menos fiscalizados se comparados com o porto de Santos e os aeroportos do Galeão e Guarulhos.

Paralelamente, a baixa presença do Estado nessas áreas, marcada pela carência de policiamento e serviços públicos básicos (como iluminação e saneamento), cria um ambiente de alta vulnerabilidade, um solo fértil para a infiltração.

A presença das facções se reflete em maior criminalidade, especialmente quando há disputa pelo território.

O governador Elmano Freitas (PT) disse em agosto, em entrevista à TV Verdes Mares, que praticamente 90% dos homicídios do Ceará vêm da disputa por território, onde hoje atuam em torno de sete organizações criminosas.

“O Ceará tem um porto muito bom, o mais próximo da Europa e dos Estados Unidos, e um aeroporto que tem voos internacionais. Isso é bom para a economia, é bom para o cidadão, é bom para os negócios, mas, ao mesmo tempo, o tráfico de drogas vê isso como uma oportunidade. A droga que vem do Peru, da Colômbia, eles passam pelo Brasil e querem que a porta de saída seja pelo Ceará”, afirmou o governador petista.

Baixo policiamento, turistas de alta renda e grande consumo de drogas chamou a atenção de facções em Jericoacoara, no Ceará (Foto: Raphaela Ribas/ Gazeta do Povo)

Estado omisso e turistas clientes

Não é só a localização estratégica que atrai os bandidos para Norte e Nordeste. Estes estados têm algumas das praias mais badaladas do Brasil. A grande circulação de turistas de alta renda, inclusive estrangeiros, e o turismo de festas e uso de drogas de visitantes fez com que facções invadissem também vilas como Jericoacoara (CE), Pipa (RN) e Porto de Galinhas (PE).

Em abril, uma operação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado em Pernambuco (FICCO/PE), em parceria com outros dez estados, identificou um esquema estruturado de fornecimento de entorpecentes a partir de rotas internacionais, com distribuição concentrada nessas regiões.

Segundo a BBC, também há notícias de grupos criminosos atuando em outros destinos populares no Nordeste, como São Miguel dos Milagres, em Alagoas, e na região de Trancoso e Caraíva, na Bahia.

Outro impulso para proliferação de quadrilhas no Nordeste é uma ausência do Estado e uma legislação falha, que permite dominação de territórios por facções que oferecem uma falsa segurança para a população local.

“Eles valem-se da violência e opressão de populações rurais e de municípios pequenos no interior sem a devida estrutura de segurança pública. Nas metrópoles, repare que estão em áreas urbanas desassistidas de policiamento e serviços públicos básicos”, diz Rodrigues.

Lemos pondera que, mesmo que a polícia realize ações, os bandidos conseguem se safar, seja pelas brechas na legislação ou pela omissão do Estado: “Estamos pagando preço há duas décadas e o Estado sendo omisso. Estamos chegando num ponto crítico. Onde começa a ter essa briga por território, a violência estoura”.

Segundo Lemos, há uma “resistência muito grande” às mudanças na lei.

“A legislação penal só pode ser mudada por deputados federais, senadores e presidentes. Mas as facções têm bancada e as forças políticas que atrapalham a evolução. O silêncio dos políticos é ensurdecedor e, no mínimo suspeito”, diz Lemos, que é também professor de direito penal e segurança pública.

Polícia da Bahia é a que mais mata

A Bahia tem enfrentado um cenário de intensa disputa territorial entre organizações criminosas rivais, o que aumenta a frequência de confrontos armados, envolvendo não apenas criminosos, mas também a polícia em suas intervenções.

Sob a gestão do governador Jerônimo Rodrigues (PT), em 2024, a Bahia registou 1.556 mortes – quase o dobro de São Paulo (813) e mais do que o dobro do Rio de Janeiro (703). Os dados são Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Em 2025, a polícia da Bahia também é a que mais mata. De janeiro a setembro, o estado já soma 1.370 mortes por intervenção policial. Número bem acima do Rio (520), Pará (514) e São Paulo (489).

Dados do Sinep/Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram o total de mortes por intervenção policial em 2025 (Foto: Reprodução/Sinesp)

Já em relação a proporção pela quantidade de habitantes, o Amapá lidera o ranking, com 17,1%, seguido pela Bahia, com 10,5% de homicídios cometidos por policiais a cada 100 mil habitantes. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

“A visibilidade pública e midiática costuma se concentrar no Rio de Janeiro por fatores políticos, ideológicos, simbólicos e por eventos de alta repercussão, mas estatisticamente a Bahia aparece com indicadores muito preocupantes de violência”, diz Rodrigues. Na sua avaliação, em estados como Ceará e Bahia, a impressão é que o narcotráfico tem “se normalizado para parte dos agentes de segurança pública”.

“Mesmo que não seja a maioria, isso é um cenário preocupante, que, para mim, também representa uma distinção entre a polícia fluminense e paulista. É uma espécie de resignação de alguns, ‘enxugar gelo’, enquanto outros ainda adotam a postura de tolerância zero, afirma Rodrigues.

Tem saída?

Os especialistas defendem alguns pontos em comum para barrar e parar as facções criminosas. Entre eles, a integração das polícias para compartilhar dados, investigações financeiras robustas para cortar lavagem de dinheiro e pressão sobre rotas logísticas com cooperação internacional.

Para Rodrigues, a limitação em integração de inteligência, investigação financeira e controle das rotas fronteiriças não ajuda a ação esporádica de forças federais.

“A resposta precisa ser integrada porque medidas isoladas de segurança pública tendem a deslocar e fragilizar a resposta, ao passo que o crime se torna empresarial e eficiente em seus intentos. Também, acabar com o regime semiaberto harmonizado e garantir o cumprimento das penas para evitar a reincidência”, diz o coordenador do NISP.

Greco salienta que não basta tirar os traficantes: “É trazer saneamento, saúde, educação. Tudo o que os traficantes impendem de chegar”.

“A vida nas comunidades é muito difícil. Se o traficante gosta de uma menina de 12 anos e a família se opõe, ele estupra ela, mata e expulsa eles. É tudo pelo dinheiro. Não tem dó de morador”, Greco.

O juiz Lemos acrescenta que a legislação também precisa ser mais dura, a começar classificando as facções como terroristas.

Segundo ele, a definição correta quebraria o isolamento jurídico, conseguiria desbloquear ferramentas financeiras e operacionais e de inteligência que hoje não são acessíveis, além de cooperação de informações e inteligência com agências internacionais.

“Em todos os países dizem que terrorismo é matar, dominar, intimidar a sociedade civil. Ou seja, definem o terrorismo pela consequência grave que traz a população. No Brasil, dominar cidades inteira, toque de recolher, matar juiz, delegado não é”.

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Matéria: Gazeta do Povo

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Gabriel de Melo

Criador, fundador e locutor da Rádio Esperança e também do Blog Palavra de Esperança, tem como objetivo divulgar o evangelho de Cristo par outras pessoas através da Internet por meio dos louvores e da palavra de Deus nas mídias sociais.

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