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Preparar o lar e o coração para o Natal

Varrer o chão, passar pano, lavar os banheiros e limpar o fogão são coisas que a gente faz toda hora, ao menos toda semana. Mas… e descer os lustres para limpá-los por dentro, tirar as cortinas para lavá-las, bater todos os tapetes ao sol? E puxar os móveis, jogar água em tudo, pôr abaixo o guarda-roupa, dar embora o que não usamos? Não digo dar um jeitinho e tocar em frente, mas botar ordem desde a base? Isto nós fazemos menos vezes, e a observação do costume de uma porção de outras famílias me faz crer que, em nosso país, este seja um expediente relacionado ao mês de dezembro: é a grande “faxina de fim de ano”.

É muito bonito que seja assim, e que em tantas casas a grande limpeza esteja relacionada com a preparação para as festas, isto é, tenha o sentido de purificar e aprontar a nossa morada para receber amigos e familiares. Mas, além disso, aliada à colocação de enfeites, à montagem da árvore coberta de luzes e de bolinhas cintilantes, essa preparação pode ser também para receber, no seio de nosso lar, uma graça renovada, a vinda do Menino, e todo um ano novo que se inicia. É o tempo do Advento, que prepara para o Natal. “Preparai os caminhos do Senhor”, dizia forte João Batista, “endireitai as suas veredas”, pois que Ele vem. A faxina de fim de ano pode ser, se quisermos, uma ocasião simbólica, uma série de atos que, além de exteriores e materiais, podem representar uma “expulsão dos vendilhões do templo” do nosso coração, um fogo de renovação dos nossos votos com nossos mais caros princípios e valores.

Limpar a nossa casa, nesse espírito de renovação, pode ser uma espécie de ritual leigo para enchê-la mais uma vez de amor. “Vinde, Espírito Santo, enchei os corações…”, diz a famosa oração. Só o amor tem a capacidade de encher uma interioridade sem a sufocar. O amor, quando chega, não apenas ocupa espaço: cria espaço. É capaz de abrir novas câmaras escondidas na alma, como se revelasse túneis subterrâneos que sempre estiveram ali, mas ainda intactos, esperando a picareta da graça. E como realiza o Espírito essa obra secreta? De maneira tão doméstica quanto radical. Ele lava o que está manchado, rega o que está ressequido, costura o que está rasgado, afrouxa o que ficou rígido, aquece o que esfriou, endireita o que se entortou… A ação divina não é muito diferente de uma faxina de casa! A gente também abre espaço para caberem as pessoas, reorganiza os móveis e tira o que é inútil para quase que ampliar as paredes, sem demoli-las. Decorar um espaço é ampliá-lo espiritualmente: o cuidado do lar é o trabalho de construir espaço interior.

Cada gesto, cada lugar que procuramos limpar, cada parte da casa, pode simbolizar para nós um gesto interior, e apoiar o nosso pensamento para fazermos uma limpeza interior

Naquele dia, em Pentecostes, o Espírito Santo “encheu toda a casa onde se encontravam”. Assim ele unificou os que a habitavam. Ora, a Igreja nasceu num cenáculo – numa sala de jantar! A Igreja começou com o Espírito transfigurando um lar. E até hoje a Igreja é, entre outras coisas, uma mesa posta, uma refeição comum, um lugar sagrado onde o mistério se condensa no cotidiano. E toda casa, todo verdadeiro lar, guarda essa verdade. Ela se parece com os que a habitam: tem alma e corpo, acumula marcas do tempo e cicatrizes de convivência. Seus objetos, móveis e enfeites, vão ganhando novos significados, não pelo valor material, mas porque o tempo os personaliza. O espaço se espiritualiza quando se enche de recordações, e cuidar dos objetos torna-se, misteriosamente, uma forma de cuidar dos que os usam. Por isso a visita à casa de alguém pode ser, com efeito, uma visita ao coração de quem o habita.

É bastante sugestivo que, na noite de Natal, “não havia lugar na hospedaria”. A falta de amor fez com que não houvesse espaço. Já o amor inventou um espaço, e fez com que um cocho de bichos fosse lembrado e venerado pelos séculos. Toda a santa fé pode ser resumida assim: o Verbo se fez carne, e fez sua morada entre nós. Deus se mudou para o nosso bairro, entrou na nossa cozinha, sentou-se à nossa mesa. E quando André perguntou a Jesus “Onde moras?”, Ele não deu seu endereço, ou indicou perto de onde ficava. Sem titubear, convidou-os: “Vinde ver”. A vida interior é essencialmente isso: possuir um lugar para receber, para acolher uma pessoa – e só acolhe bem quem tem lugar preparado.

O Evangelho fala também daquela mulher que, para encontrar a moeda que havia perdido, “acendeu uma luz e varreu a casa”. Quando sumiu aquilo que era valioso para ela, não se lamentou, nem foi reclamar com os vizinhos. O que fez? Acendeu uma luz. Limpar exige enxergar (quem nunca encontrou atrás da geladeira, numa faxina de fim de ano, um caco daquele copo que havíamos deixado cair em maio?). Enxergar implica captar o conjunto, perceber o organismo vivo que é a casa. A verdadeira limpeza reintegra cada objeto – roupas, móveis, utensílios, o chão – ao seu papel no corpo comum que é o lar. Quem limpa não organiza apenas coisas: restaura dinâmicas, e ressalta o sentido das coisas. Ao organizar melhor o espaço, organizamos melhor o nosso tempo! Uma boa faxina é guiada pela intuição de um coração vigilante – e não à toa a vigilância é a tônica do tempo do Advento. De fato, há uma pedagogia do olhar no ato de limpar. Detalhes imperceptíveis aos demais tornam-se eloquentes para quem cuida. Quem limpa é quem melhor habita. Sabe estar, sabe pertencer, porque seu serviço enche a casa de presença, como quem escreve invisivelmente sua própria assinatura no ambiente. O que descobriu a mulher do Evangelho? Talvez que sua casa inteira era melhor que a própria moeda… Ela encheu sua casa de luz, e saiu para celebrar com os vizinhos a alegria.

Sendo assim, cada gesto, cada lugar que procuramos limpar, cada parte da casa, pode simbolizar para nós um gesto interior, e apoiar o nosso pensamento para fazermos uma limpeza interior. Ainda no Evangelho – acho que não sairemos dele hoje –, os fariseus confundiam a moral com a higiene. Limpavam por fora os copos e pratos, enquanto, por dentro, permaneciam sujos! Pensavam erroneamente que a limpeza exterior substituía a conversão interior. No lar verdadeiro ocorre o contrário: a higiene se subordina à pureza do coração, e deve ser o seu símbolo. O asseio externo é expressão, e até uma pedagogia, da pulcritude da alma.

O chão, por exemplo, é o lugar de todos – não há quem esteja na casa que não esteja sobre ele (como nos lembra a canção divertida, da Rua dos Bobos, número zero…). O chão é a superfície da presença, a área do encontro, o território da vida ordinária. Varrê-lo e esfregá-lo é aceitar que estamos todos plantados do mesmo modo na existência. O chão da casa simboliza a aceitação incondicional que define a família: todos têm lugar aqui. Cuidar dele é cuidar do espaço com que a Providência nos presenteou. Varrendo, conquistamos nosso lar para o oferecermos novamente: a casa é dom recebido, e nós a devolvemos, purificada, aos que amamos.

Varrer é como retirar o pó do egoísmo, que vai cobrindo as coisas sem que a gente perceba… É reunir e expulsar os ressentimentos, as palavras acres que não deveríamos ter dito, os momentos em que reviveu em nós aquele “homem velho” que não ama, e julgou. Tudo isso é colhido na pá, e jogado fora. O pano úmido é o que vai colher aquelas dores e enganos mais agarrados à nossa alma, ao nosso hábito interior, dos quais é preciso cuidar especialmente, e que não saem a seco. É umedecer novamente o coração, não apenas para que fique limpo, mas perfumado pelo aroma renovado, que atrai e convida a uma vivência nova naquele lugar – a uma vida nova.

Todos os convidados para a ceia somos, cada um ao seu modo, pobres, e mancos, e aleijados e cegos… Cada um traz consigo a sua espécie de pobreza. A debilidade na fé, a falta de virtudes, a dureza de caráter, a educação insuficiente, a ignorância, o pecado

Esta casa fica limpa para uma convivência nova daqueles que ali já habitam, da família que ali reside, mas não só. É assim que se prepara para receber. Vamos sujar a cozinha outra vez, e preparar a ceia de Natal!

“Quando deres um banquete, chama os pobres, os coxos, os aleijados, os cegos…”, aconselhava também o Mestre. Isso por si só já projeta sobre a nossa mesa uma luz nova. Sejam aqueles que fazem refeições conosco todos os dias, sejam os familiares que quase que só vemos nessas ocasiões! – aqueles de quem temos saudade, e que fazem esforço para estarem ali conosco, sejam aqueles com quem temos menos afinidade, e que figuram nas piadinhas infames sobre a ceia de Natal (o que dirá o primo isto, o que fará a tia aquilo…).

O fato é que, assim como estamos todos sobre o chão da casa, e existimos na mesma dignidade, estamos todos à volta da mesa, igualmente convidados para o banquete, para partilhar do alimento, que é ao mesmo tempo necessidade, sobrevivência, e celebração, prazer, gozo. E todos, todos os convidados para a ceia somos, cada um ao seu modo, pobres, e mancos, e aleijados e cegos… Cada um traz consigo a sua espécie de pobreza. A debilidade na fé, a falta de virtudes, a dureza de caráter, a educação insuficiente, a ignorância, o pecado. São fomes menos visíveis, às vezes, mas bem mais profundas. Qual é o alimento que as pessoas tomarão à nossa mesa? Servir, nesses casos, é principalmente acolher, salvar e curar: pôr a mesa e convidar é exercer misericórdia, e ser aceito na mesa é ser recebido com misericórdia, visto que todos dela carecemos. “Quem recebe um menino como este recebe a mim”, disse Jesus. Quem recebe qualquer parvo, vale dizer. Ao pôr a mesa, percebemos o vazio de quem ainda não chegou. A cadeira evoca o corpo; os talheres, as mãos; o guardanapo, a boca. É como se, ao arrumar tudo, nos adiantássemos ao encontro e disséssemos, sem palavras, assim que um convidado chega: “Este é o teu lugar; bem-vindo”. Os objetos saúdam o hóspede antes que o anfitrião o faça.

E, geralmente, antes da ceia de Natal, mesmo aqueles que não têm fé, ou que não pensam nela nos outros 365 dias do ano, à mesa festiva dessa noite feliz inclinam-se a agradecer a Deus, ou ao menos toleram a fé daqueles que acreditam ser ingênuos. “Pelo menos um Pai-Nosso, essa todo mundo sabe de cor.” Saber de cabeça nem sempre é saber de cor. “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”… O que exatamente pedimos quando pronunciamos essa súplica? O pão necessário para viver, ou estas iguarias refinadas? Uma ração de peregrino, ou quitutes de festa? Ambas as coisas, sim. Porque esse pão – que, em última instância, não é senão o próprio Deus – contém tanto a simplicidade que sustenta quanto a abundância que alegra. Ele é o essencial e o extraordinário, o mínimo que permite sobreviver, e o banquete prometido no Reino.

Por isso a culinária, como a limpeza, pode participar de uma pedagogia espiritual. Preparar a comida pode ser, ao mesmo tempo, preparar o coração para aqueles que virão comer. A cozinha confere ao alimento uma forma humana: dá-lhe alma além de corpo, e faz com que a comida se pareça com quem a recebe. Cozinhar é unir: transformar a simples nutrição em vínculo entre pessoas, temperá-lo de comunhão, dar-lhe sabor de família. Cada garfada pode ser um pequeno sacramento doméstico de unidade. O cozinheiro sábio vê, nos convivas, ora um príncipe, ora um mendigo; ora a fragilidade, ora a dignidade. A mesa reúne as duas dimensões: a necessidade e o dom. Nesta refeição, podemos digerir também as preocupações e diferenças que persistiram até esse dia, e que podem encontrar, na mesa partilhada e na sobremesa em comum, uma pequena trégua, um relacionamento que se coloca acima das pequenezas e diferenças, pois, afinal, devemos estar acima delas, não é mesmo?

O filho pródigo, ao experimentar a fome extrema, murmurou: “Estou morrendo de fome… vou para a casa de meu pai”. A fome que o atormentava e que o moveu não foi somente a do estômago, mas a da casa perdida, a do rosto paterno. Assim também a nossa ceia, seja ela como for, pode recordar a mesa onde o Pai nos espera. Comprar, preparar, pôr a mesa, escolher os talheres, servir a sobremesa, tudo isso desperta em nós a saudade do alimento verdadeiro – e para este banquete somos todos convidados, e não devemos excluir ninguém.

Deixai a casa limpa para receber, e para que se inicie um novo ano, assim como deveis deixar o coração limpo, a alma leve de todo o pós dos ressentimentos e das mágoas, das raivas e das decepções

Então que ninguém se engane com relação à riqueza e à pobreza dessas coisas: dos enfeites, da casa, dos guardanapos, da comida. A viúva havia perdido uma moedinha só, não era rica. E o próprio Senhor, não há quem não saiba, fez sua morada na palha fria. O que não nos pode acontecer é de perdermos a ocasião. Este tempo de preparação, que espera por alguém que vem, é a ocasião, é tempo propício, é a plenitude do tempo. Vamos arregaçar as mangas e fazer aquela bela faxina, aquele que não esmorece diante da dificuldade, da preguiça, aquela faxina que não perdoa o mínimo grão de poeira, mesmo que esteja atrás daquele móvel que ninguém vê e jamais verá! Todos os cantos são importantes, nada pode estar sujo ou desleixado para a chegada do Senhor – do Senhor que virá, em muitos casos, sob a forma de familiares, amigos, agregados.

Deixai a casa limpa para receber, e para que se inicie um novo ano, assim como deveis deixar o coração limpo, a alma leve de todo o pós dos ressentimentos e das mágoas, das raivas e das decepções. Varrei o chão com a violência de um exorcismo, deitai nele o pano úmido e perfumado do perdão total, que não deixa nada restar. Enfeitai a casa com adornos brilhantes, que embelezam especialmente o que em outros tempos é comum, enchei a casa e a alma de virtudes, de sinais de generosidade. Abri as portas, recebei a família de Nazaré que pede abrigo, ainda que seus rostos se assemelhem um pouco ao daqueles parentes de que não gostamos tanto assim. Há lugar, sim. Aqui não se passa na rua, aqui há uma nova chance, uma nova vida, assim como mereceu uma nova chance e uma nova vida a humanidade, com a visita daquele Deus pequenino. Preparai, como puderdes, uma ceia, que alimente o estômago, mas que também celebre a unidade e a união.

Preparai, preparei os caminhos, preparai um lugar, que haja lugar para receber o Menino. Ele veio, e virá ainda outra vez – e só não veio ainda porque, segundo prometeu, está também Ele, nas alturas, na casa do Pai, preparando para nós um lugar.

Matéria: Gazeta do Povo

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Gabriel de Melo

Criador, fundador e locutor da Rádio Esperança e também do Blog Palavra de Esperança, tem como objetivo divulgar o evangelho de Cristo par outras pessoas através da Internet por meio dos louvores e da palavra de Deus nas mídias sociais.

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