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Opinião

Câmara faz demagogia ao proibir cobrança por bagagem em voos

Um país onde o transporte aéreo padece de um problema crônico de falta de competição deveria se esforçar para que sua regulamentação pudesse atrair, e não desestimular a entrada de novos players. Mas, em nome do populismo aéreo, a Câmara dos Deputados está fazendo o exato oposto do que deveria fazer, espantando possíveis novos interessados em operar rotas aéreas domésticas ou internacionais – e, de quebra, iludindo passageiros – ao requentar a falácia do “almoço grátis”. Na terça-feira, a casa legislativa aprovou um projeto de lei que reverte a regulamentação estabelecida em 2016 pela Agência Nacional de Aviação Civil e proíbe qualquer cobrança por bagagens nos voos. O texto, agora, segue para o Senado.

Quase dez anos atrás, e após muita discussão, a Anac havia abolido a gratuidade da bagagem despachada em voos domésticos e internacionais, passando a permitir a cobrança de acordo com o número de malas. A mudança, por mais desagradável que resultasse para os passageiros, trazia para o Brasil um modelo usado em praticamente todo o mundo, permitia a adoção de tarifas diferenciadas dependendo do que cada passageiro pretendia levar, e não deixava de ser justa. Afinal, os custos de levar uma peça de bagagem – em termos de uso de combustível e pessoal necessário para carregar e descarregar a aeronave, por exemplo – continuam existindo, haja ou não uma taxa específica sobre a bagagem. Se o despacho é “gratuito” e ninguém está pagando esses custos de forma explícita, o mais provável é que todos estejam pagando, de forma implícita e diluída, no preço do bilhete.

Se o despacho é “gratuito” e ninguém está pagando esses custos de forma explícita, o mais provável é que todos estejam pagando, de forma implícita e diluída, no preço do bilhete

O erro cometido pelos defensores da mudança em 2016 foi ter prometido que o preço das passagens cairia para quem não quisesse despachar bagagens. Era algo impossível de garantir, pois o custo do bilhete não depende apenas disso. Alta na demanda por viagens aéreas, mudanças no câmbio, elevações no preço do combustível de aviação ou reajustes salariais de funcionários das empresas aéreas bastariam para anular qualquer tipo de redução que pudesse beneficiar os passageiros que voam sem despachar bagagem. E foi o que de fato ocorreu à época, frustrando muita gente que se sentiu enganada.

O que seria uma oportunidade para explicar à população todos os fatores envolvidos na formação de um preço, no entanto, virou pretexto para ideias populistas. A volta do despacho “gratuito” de bagagens foi uma introdução tardia no projeto de lei, cujo pretexto foi o anúncio, da parte de algumas companhias aéreas, da intenção de cobrar também pelas malas de mão colocadas nos bagageiros localizados sobre os assentos das aeronaves, em voos internacionais. Ironicamente, este foi o único item que o texto aprovado na Câmara não contemplou: os deputados proibiram a cobrança por bagagens de mão em voos domésticos, restauraram a “gratuidade” da bagagem despachada em todos os voos, e ainda por cima proibiram a cobrança por escolha antecipada de assentos.

A ignorância econômica dos deputados ficou escancarada durante a votação. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chamou as cobranças de “abusos a consumidores brasileiros”. O relator do projeto, Neto Carletto (Avante-BA), afirmou que retomar a gratuidade na bagagem despachada era “medida de justiça e equilíbrio nas relações de consumo” – como se fosse justo que um passageiro sem bagagem despachada tivesse de arcar com parte dos custos gerados por quem leva três malas no porão do avião – e que tal “justiça” viria “sem comprometer a sustentabilidade econômica das companhias, já que os custos podem ser absorvidos no valor global das passagens”; podemos questionar se o deputado entendeu que a tal “absorção no valor global das passagens” significa, no fundo, que voar ficará mais caro para todos.

Especialmente surpreendente foi a justificativa de Carletto para não incluir a obrigação de transporte “gratuito” de bagagens de mão em voos internacionais, pois isso “poderia suscitar questionamentos quanto ao cumprimento de acordos bilaterais”. Por acaso obrigar o despacho gratuito em voos internacionais não tem o mesmo efeito? E o deputado ainda citou a possível “redução da oferta de voos de empresas de baixo custo que hoje atuam em rotas relevantes na América do Sul, a partir do Brasil”, como se retirar todas as demais cobranças também não fosse um desestímulo para as chamadas low costs. A essência desse modelo está em cobrar muito pouco pela passagem propriamente dita, aplicando taxas sobre todo o resto – bagagem, seleção de assentos, até mesmo água. Paga por esses produtos e serviços quem os consome, enquanto quem simplesmente deseja ser levado de um lugar para outro sem fazer questão de mais nada é cobrado apenas pela tarifa básica. É assim que funciona nos Estados Unidos e na Europa – a irlandesa Ryanair, talvez a mais famosa low cost do mundo, chega até mesmo a fazer piada nas redes sociais, tantos são os itens pelos quais cobra.

Com uma canetada, a Câmara mata completamente a possibilidade de que um dia tenhamos um mercado aéreo mais vibrante, com competição real, capaz de jogar os preços para baixo

Se agora uma empresa aérea não pode mais cobrar por despacho de bagagens ou outros serviços, que estímulo uma low cost terá para continuar operando no Brasil, ou considerar a possibilidade de entrar no mercado brasileiro, rompendo o oligopólio e a baixa concorrência, fator que ajuda a encarecer as passagens atualmente no Brasil? É claro que a simples possibilidade de cobrança não basta para atrair novos concorrentes ao mercado nacional – se assim fosse, hoje haveria muito mais empresas aéreas operando no país. Insegurança econômica, tributação alta e outros fatores desestimulam essas companhias. Mas o que a Câmara está fazendo é, com uma canetada, matar completamente a possibilidade de que um dia tenhamos um mercado aéreo mais vibrante, com competição real, capaz de jogar os preços para baixo. Quanto mais o Estado interfere, determinando o que pode ou não pode ser cobrado, ou até que rotas e regiões as companhias aéreas deveriam atender (como já se tentou no passado), menos empresas desejarão entrar neste setor. No médio e longo prazo, isso, sim, é um abuso direcionado ao consumidor brasileiro, para usar as palavras de Motta.

O Congresso Nacional já tentou restaurar o despacho “gratuito” de bagagens em outras ocasiões, mas esbarrou em vetos do então presidente Jair Bolsonaro – um deles não foi apreciado até hoje pelo Legislativo. Isso significa que, ao menos no passado, o Senado também foi simpático a essa jabuticaba (pois, como dissemos, em praticamente todo o resto do mundo a cobrança é normal) que agride a liberdade econômica, dificulta o aumento da competição no setor, força usuários a pagar por custos gerados por terceiros, e ignora princípios econômicos a respeito da formação dos preços. Como quem está no Planalto agora é um irresponsável obcecado por entregar “gratuidades” à população, desta vez os senadores precisarão ter mais bom senso diante de tamanha demagogia.

Matéria: Gazeta do Povo

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Gabriel de Melo

Criador, fundador e locutor da Rádio Esperança e também do Blog Palavra de Esperança, tem como objetivo divulgar o evangelho de Cristo par outras pessoas através da Internet por meio dos louvores e da palavra de Deus nas mídias sociais.

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